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Uno cosecha lo que sembra
Edson Lopes Cardoso

A julgar pelo noticiário, estimulado pela própria Secretaria de Comunicação do governo, Matilde Ribeiro foi descartada pelo Planalto. É sintomática a informação veiculada por Vera Rosa e Tânia Monteiro, no Estadão, de que o presidente Lula estaria ‘particularmente aborrecido porque lutou muito pela criação da Secretaria da Igualdade Racial, uma antiga reivindicação do movimento negro, e foi criticado pela decisão de se criar mais uma pasta. Para o presidente, a atitude de Matilde dá agora argumentos aos seus adversários, para quem a secretaria não tem função”.


Que os atos de Matilde Ribeiro serão utilizados por aqueles que pressionaram e pressionam pela extinção da Seppir ninguém duvida. O problema é saber até onde vai a compreensão do Palácio do Planalto de todo o processo que tem agora esse desfecho constrangedor.

Em fevereiro de 2007, para citar um exemplo impossível de ser ignorado no governo, o Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada afirmava que a ‘baixa execução’ do programa Brasil Quilombola se devia ‘não apenas ao contingenciamento dos recursos destinados à Seppir, mas, principalmente, à fragilidade da Secretaria em promover a coordenação e o fomento/indução de políticas direcionadas à promoção da igualdade racial junto a outros ministérios’ (Políticas Sociais – acompanhamento e análise, nº 14, fev. 2007, pp. 212-213).

O Ipea também disse que o contingenciamento era indicativo da prioridade do tema no governo federal. Entenda-se, de que o tema não era prioritário para o governo. O presidente Lula, por suas palavras ao Estadão, bancou a Secretaria. Mas e depois? A “fragilidade” a que se refere a avaliação do Ipea era pública e notória. As instâncias superiores não podem agora eximir-se de responsabilidades, tanto nos limites e constrangimentos orçamentários, quanto na permissividade que fechava os olhos à má gestão. (1) A secretaria era importante, por isso foi criada. (2) A secretaria não tem importância, por isso dane-se a secretária. Ficamos com qual das duas alternativas?

A mesma ambigüidade existiu no setor de Movimento Negro (predominantemente partidário/sindical) responsável em última instância pelo atual malogro institucional. Em que momento, ao longo dos últimos cinco anos, esse setor considerou seriamente a importância de seus desmandos e omissões para a continuidade da Secretaria? Existem causas internas, para além da resistência histórica e estrutural do racismo, na base do desgoverno e ineficiência da Seppir. Ninguém poderá agora fugir de responder por suas próprias ações.

Outra coisa, o conjunto da obra sugere recuo e desmanche: política de saúde, decreto dos quilombolas, estatuto, lei 10.639, nada se mexe e há casos de graves retrocessos. A paralisia da Seppir e a desmoralização pública de sua titular parecem coroar uma avalanche conservadora, que se potencializa com nossos erros e indecisões. A hora é de assumir responsabilidades, dentro e fora do governo.

edsoncardoso@irohin.org.br
31.01.2008
FONTE: Irohin

Estamos por nossa própria conta
Cidinha da Silva

Passados a perplexidade e tristeza, disparados pelo processo de fritura política de Matilde Ribeiro, fica a certeza de que pertencemos à mesma comunidade de destino.

Estas linhas compõem a indignação de toda a vida, a sensação de estarmos por nossa própria conta desde a concepção num ventre negro. A coletiva de Matilde Ribeiro, no momento de saída da Seppir, é, até hoje, motivo de pesadelo para mim, não consigo imaginar o sentimento dela.

Aquilo foi um espetáculo covarde, um lavar as mãos em águas sujas, um jeito de dizer “fartem-se leões, entrego-lhes a presa fácil”. Nenhum par, nenhum amigo, nenhum confrade, nenhum defensor, ao qual o mais reles dos bandidos tem direito, quanto mais a integrante de um projeto político, dito de transformação, nada, só o abandono à companhia solidária, mas inofensiva, dos assessores e subordinados.

Matéria-prima para os infindáveis papos de botequim, para a política pequena, aquela que aponta culpados no Movimento Negro e cita nomes e nomes de arroz de festa nas paróquias de origem, mas inoperantes na política grande. Enquanto isso, na sala da justiça, à revelia dos párocos, a grande imprensa, deliberadamente, atrela os erros de uma de nós a todos nós. Produz confusão entre a inocuidade de uma pasta e a justeza de uma causa.

É, estamos por nossa própria conta. Sejamos Matilde Ribeiro, Benedita da Silva, Lecy Brandão, Celso Pitta ou Orlando Silva, chamado por alguns de Nelson Gonçalves, nada nos diferencia, somos pessoas negras, estamos todas no mesmo barco e o racismo nos bombardeia ou bombardeará o casco.

Pouco importa o que tenhamos feito ou construído, sob a mira dos holofotes racistas somos meras sombras, pois pertencemos à mesma comunidade de destino. Não nos iludamos, qualquer um de nós pode ser o próximo alvo


10.02.2008
FONTE: Cidinha da Silva


Para estar ali ou em qualquer outro lugar por aqui
Wania Sant'Anna*


Aprende-se muito com as experiências dos pretos, homens e mulheres, humildes que, por seu único e próprio esforço, empreendem ações transformadoras às próximas gerações. Assim, e não por acaso, ainda nos preenche de orgulho casos como de uma mulher negra, faxineira, que tendo criado um neto, sozinha, tem a glória de vê-lo ingressar em um Colégio Militar.

Do mesmo modo, nos preenche de orgulho saber que um homem negro, pedreiro, semi-analfabeto, reuniu forças para, com livros doados, criar no terreno de sua própria casa uma biblioteca comunitária para as crianças e os adolescentes de seu bairro. Essas histórias nos preenchem de orgulho porque essas pessoas souberam identificar por que lutar, por que seguir, por que superar todas as dificuldades e, enfim, fazer a diferença para aqueles que ficarão, ao menos por hipótese, para além de suas existências. Eles souberam fazer a diferença como prática objetiva de auto-estima.
Com certeza, tudo isso exige muita determinação, persistência e orgulho. Determinação exige foco e foco exige muito raciocínio. Exige uma clara definição sobre o quê se quer da vida e compreensão sobre como os atos de sua vida influenciam as pessoas a sua volta. A persistência exige que os sonhos, ou os desejos, não sejam imagens abstratas de sua imaginação, mas a extensão de seu corpo e de todos os atos que comandam esse corpo. O orgulho, esse sentimento tão subjetivo e, ao mesmo tempo objetivo, precisa ocupar-se da determinação e da persistência. É preciso ter orgulho de se ter determinação e persistência. Sem essas forças motrizes a nos guiar, dar sentido às nossas ações públicas e privadas, tudo fica muito mais difícil.
Em minha opinião, o que estamos enfrentando com os episódios envolvendo Matilde Ribeiro na condição de Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial é algo na contramão dos sentimentos que nos preenchem as histórias de vida, reais, da faxineira e do pedreiro negros. E, talvez, por isso nos sintamos tão aviltados, tão massacrados, tão perdidos, e tão plenos de sentimentos que não guardam nenhuma relação com a determinação, a persistência e o orgulho. Nenhum de nós sente orgulho da atual situação e acredito, sinceramente, que gostaríamos imenso de vê-la em outra posição. E isso porque sabemos que ela, quanto qualquer um de nós, é capaz de experimentar algo diferente e, melhor, fazer a diferença.
A tentação de fazer julgamentos, ou avaliações, é inevitável. Eu acredito que esta seja a postura mais correta do que a “simples” defesa da situação. Uma crença popular diz que só aprendemos com os nossos erros. Pode ser. Sim, aprendemos com os nossos erros. Mas também acredito que aprendemos muito mais com os nossos acertos porque eles nos animam a seguir em frente com uma energia e caráter distintos daqueles que nos movem quando somos movidos pelo histórico do erro. E é isso, particularmente, que me incomoda em toda essa situação: o apontamento, público, do erro e a incrível, e inaceitável, ausência dos acertos experimentados pela faxineira e pelo pedreiro.


* Historiadora, pesquisadora de relações raciais e de gênero com vários artigos e estudos sobre desigualdades raciais publicados.
wania@irohin.org.br
01.02.2008, às 10:50:32
FONTE: Irohin