Então, dois artigos que valem ser lidos na íntegra e absorvidos pra reflexão. O primeiro posto aqui, o segundo, ainda sobre a classe média a la Rafael, Danuza e Mainardi, leiam diretamente site e aproveitem para ler e ler: Vi o mundo
Que bom que a imprensa tem gente deste naipe. Ave! eu estava cansada de ler tantas bobagens!
Contra a vilanização de Chavez, Morales e dos movimentos sociais Por: Luiz Carlos Azenha
[postado em 24 de outubro de 2006]
Alberto Dines está preocupado com a vilanização da imprensa.
Cada um cuida de seu próprio umbigo.
A minha preocupação é com a vilanização de Hugo Chavez, Evo Morales e dos movimentos sociais por setores da mídia brasileira.
Chavez e Morales são, cada um dentro de seu próprio contexto histórico, resultado das contradições econômicas e sociais da Venezuela e da Bolívia.
Comparar Lula com qualquer deles ou é bobagem, ou falta de informação, ou má fé.
Chavez e Morales resultam de um problema de fundo que, em maior ou menor grau, atinge toda a América Latina: a terrível distribuição de renda, o fosso social, o apartheid entre os poucos que têm muito e os muitos que têm pouco.
O problema é mais grave na Venezuela e na Bolívia porque esta linha divisória também é demarcada pela origem diversa dos que têm e dos que não têm.
Enquanto os descendentes de europeus colonizadores concentram a riqueza venezuelana e boliviana, os índios ficam com as migalhas.
Os extremos colidem nas ruas de Caracas, quando os índios descem das encostas e trombam com uma elite que faz compras em Miami. Igualzinho ao que acontece entre as favelas e a Zona Sul no Rio de Janeiro ou, em menor escala, em São Paulo.
Em São Paulo, eles - os pobres - ficam mais apartados das concentrações de riqueza onde a arquitetura denuncia a desigualdade: os prédios de classe média são construídos com quartinhos de empregada sem janela.
No Brasil, o grande problema é acima de tudo de caráter regional.
As contradições da política, de um país que se divide em azul e vermelho, só serão resolvidas com a ascensão social de milhões de pessoas economicamente apartadas, especialmente do norte de Minas Gerais até o Maranhão.
Recomendo, para quem não viu, que veja Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues. Quem viu, que veja de novo.
Aquele Brasil inocente, na visão de Diegues, estava morrendo. Agora, morreu morte bem morrida.
Não há nada mais bonito e angustiante do que a música que Chico Buarque fez para a trilha sonora do filme.
O ritmo e as palavras dão conta de um Brasil atônito, marginal, bombardeado pelas imagens de consumismo na tevê, zanzando atrás de oportunidades econômicas:
Oi , coração Não dá pra falar muito não Espera passar o avião Assim que o inverno passar Eu acho que vou te buscar Aqui tá fazendo calor Deu pane no ventilador Já tem fliperama em Macau Tomei a costeira em Belém do Pará Puseram uma usina no mar Talvez fique ruim pra pescar Meu amor
No Tocantins O chefe dos Parintintins Vidrou na minha calça Lee Eu vi uns patins prá você Eu vi um Brasil na tevê Capaz de cair um toró Estou me sentindo tão só Oh! tenha dó de mim Pintou uma chance legal Um lance lá na capital Nem tem que ter ginasial Meu amor
No Tabaris O som é que nem os Bee Gees Dancei com uma dona infeliz Que tem um tufão nos quadris Tem um japonês trás de mim Eu vou dar um pulo em Manaus Aqui tá quarenta e dois graus O sol nunca mais vai se pôr Eu tenho saudades da nossa canção Saudades de roça e sertão Bom mesmo é ter um caminhão Meu amor
Baby bye, bye Abraços na mãe e no pai Eu acho que vou desligar As fichas já vão terminar Eu vou me mandar de trenó Pra Rua do Sol, Maceió Peguei uma doença em Ilhéus Mas já estou quase bom Em março vou pro Ceará Com a bênção do meu Orixá Eu acho bauxita por lá Meu amor
Bye,bye Brasil A última ficha caiu Eu penso em vocês night 'n day Explica que tá tudo OK Eu só ando dentro da Lei Eu quero voltar podes crer Eu vi um Brasil na TV Peguei uma doença em Belém Agora já tá tudo bem Mas a ligação tá no fim Tem um japonês trás de mim Aquela aquarela mudou Na estrada peguei uma cor Capaz de cair um toró Estou me sentindo um jiló Eu tenho tesão é no mar Assim que o inverno passar Bateu uma saudade de ti Estou a fim de encarar um siri Com a bênção do Nosso Senhor O sol nunca mais vai se pôr
O Brasil não pode mais conviver com uma Nação em que, vá lá, 50 milhões são atores sociais, enquanto 130 milhões fazem figuração.
Ampliar a classe média, o que começou a ser feito no governo de Fernando Henrique Cardoso e continuou no de Lula, é nossa única chance de chegar à estabilidade política e escapar do chavismo - seja ele de um bom moço da direita, o nosso Álvaro Uribe, ou de um esquerdista aloprado.
A classe média é historicamente conservadora, porque vive a angústia cotidiana de perder o status social com a perda de um emprego ou uma doença grave na família.
Na Bolívia o aparte social se agudizou de tal forma que o país corre o risco de rachar em dois - a turma miserável dos Andes de um lado e a classe média abrasileirada de Santa Cruz.
Na Venezuela, algumas imagens falam mais do que um livro de cinco tomos: assistam, pelo amor de Deus, ao documentário A Revolução Não Será Televisionada.
De outra parte, quem critica a política externa brasileira em relação a Chavez e Morales acha que o Brasil deve seguir o exemplo do México - fornecedor de mão-de-obra barata para os Estados Unidos - ou do Chile.
Para ser o Chile, teríamos que cortar o Nordeste brasileiro e empurrar para o oceano - uma idéia vista com simpatia por muitos paulistanos.
A política externa brasileira não é do governo Lula, mas do Itamaraty - assim como a Embrapa, a USP e a Embraer, um dos poucos centros de excelência do país.
O Brasil não precisa bater o pé na região, nem jogar bombas em La Paz.
É de nosso interesse uma política de boa vizinhança, uma vez que o tamanho e a posição geográfica do país, aliados ao dinamismo da economia, dão conta de nos garantir supremacia geopolítica.
É de nosso interesse a estabilidade política na América do Sul.
As grandes empresas brasileiras agora são multinacionais.
Disputam mercado na Argentina, no Paraguai, no Chile, na Venezuela, na América Central...
Deu no Valor Econômico: Manufaturados brasileiros avançam no mercado da AL
"A América Latina e o Caribe absorveram pouco mais de 40% das vendas brasileiras de manufaturados entre janeiro e setembro deste ano [2006]".
Angustiado, o ministro Luiz Furlan vive se perguntando porque, apesar de terem ganho muito dinheiro durante o governo Lula, os empresários - em sua maioria, pelo menos - decidiram apoiar Geraldo Alckmin.
Não, meus caros, não houve uma reunião deles para conspirar.
Eles transpiram interesses de classe.
Precisam fazer escala para competir em melhores condições nestes e em outros mercados mundiais.
Querem fazer escala cortando salários e reduzindo a carga tributária (pega melhor falar em carga do que em impostos) no Brasil.
Há gente séria entre estes empresários.
E há escroques que nunca pagaram imposto, que fazem contrabando e que acham que políc ia é só para chutar porta de barraco.
Defendem seus interesses, mas são esses os interesses do país como um todo?
Não, porque isso implicaria em cortar gastos sociais.
O desafio do Brasil é: como exportar, criando empregos, e ao mesmo tempo ampliar a classe média com programas temporários de redistribuição de renda?
É preciso vencer nossa eterna dependência dos mercados externos - alguém aí leu nos livros de História sobre os ciclos da cana-de-açucar, do café, da borracha, do ouro?
Vamos agora de ciclo da soja e do minério de ferro?
Ou finalmente conseguiremos agregar valor à nossa matéria prima?
Vamos investir em Turismo, em pólos de excelência como a Unicamp, nas incubadoras de novas empresas, na educação básica de qualidade para todos?
Com estado mínimo, como querem muitos empresários, não dá.
A nossa sorte é que tanto José Serra quanto o presidente Lula sabem que um país pobre como o Brasil não pode simplesmente dispensar o estado.
Se Lula for, de fato, reeleito, é responsabilidade dos tucanos desmontar a bomba retórica de véspera de eleição.
José Serra, que viveu no Chile de Salvador Allende, sabe muito bem o que é isso.
O jornal chileno pede a Salvador Allende: Renuncie, faça-o pelo Chile
Allende caiu quando os democrata-cristãos resolveram puxar o tapete do Partido Socialista, que ensaiava reformas tão básicas quanto as que derrubaram João Goulart.
Idéias que derrubariam Franklin Delano Roosevelt, fosse ele um presidente latino-americano nos anos 60 ou 70.
Allende saiu do palácio morto.
É esse papel - o de puxador de tapete - que a História reservará a FHC, tão cioso de sua biografia?
Terceiro turno da eleição é golpe, pura e simplesmente.
Em recente texto, publicado em seu site, Paulo Henrique Amorim diz que Lula, se reeleito, teria que escolher entre dois caminhos: o de Roosevelt ou o de Chavez.
Roosevelt, atacado pela mídia, recorreu às emissoras de rádio para dar a volta na elite; Chavez, à tv estatal venezuelana e a comitês armados nos barrios.
É um dilema falso.
Na época de Roosevelt não havia internet, muito menos lan house.
No Brasil de agora há uma lan house - ou mais - em cada bairro periférico das grandes cidades do Brasil.
Fiquei surpreso com dados de uma recente pesquisa divulgada pela Folha de S. Paulo, segundo a qual a maior parte dos usuários de internet no Brasil acessa a rede fora de casa, ou seja, em lugares públicos - pagos ou não - e no trabalho.
A dinâmica da informação mudou.
O centralismo democrático - podem chamar de leninismo - exercido pelos editores a partir da redação vai se esboroar.
Aqui, mais uma vez, é falsa a comparação entre o Brasil de Lula e a Venezuela de Chavez.
Desconhece a complexidade da mídia brasileira, que está deixando de ser correia de transmissão do poder para depender primariamente não das verbas publicitárias governamentais, mas do dinheiro arrecadado com a venda de conteúdo e a publicidade de empresas privadas.
Mas a notícia, como produto, tem prazo de validade mais curto quando é dirigida apenas ao andar de cima, no dizer de Élio Gaspari.
A mídia é que terá que se adaptar ao novo Brasil, não o contrário.
[Não falo em Brasil de Lula porque o processo de detonar o monobloco da elite econômica começou, na verdade, com Fernando Collor, passou por FHC e chega a Lula]
A mídia terá que abandonar a vilanização dos movimentos sociais - da CUT, da Força Sindical, das organizações de professores, do MST.
O MST, especialmente, só aparece na grande mídia brasileira associado a alguma destas palavras: arruaça, vandalismo, banditismo ou uma combinação delas.
É como se existisse no vácuo, não fosse conseqüencia de um problema.
É como se a gente fechasse os olhos e... pluft... o problema agrário estivesse resolvido no Brasil.
Faz pouco tempo fui ao cinturão verde que cerca São Paulo, onde são produzidos as verduras e os legumes que abastecem o mercado metropolitano.
Visitei um casal que produzia verduras em dois alqueires.
Pagavam 1.500 reais por mês pelo aluguel da terra a um intermediário, que por sua vez representava o dono de grandes propriedades.
O casal vendia 24 pés de alface de qualidade por 4 reais.
Agricultura familiar, sem poder de barganha com os intermediários.
Se a gente quer mais, eles deixam a verdura apodrecer na terra, disse o sitiante.
O filho, de 14 anos, ajuda os pais quando volta da escola.
O sitiante prefere a mão-de-obra do filho, porque o turno não tem hora para terminar.
Trabalho infantil ou sobrevivência econômica?
O menino sonha em ser jogador de futebol.
Ou advogado.
A irmã cuida da casa: lava a roupa, faz limpeza e as refeições.
Completou o colegial, distribuiu currículos - mas não conseguiu emprego.
Caixa de supermercado ela não quer ser.
Não é uma família de miseráveis.
Eles tem carro, uma casa bem arrumada e, apesar de uma vida sem luxos, tem ambição.
O pai calcula que se juntasse 40 mil reais conseguiria comprar a terra.
Estão naquele sítio todas as contradições do Brasil: a servidão em forma de aluguel da terra, o agricultor com espírito de empreendedor que emprega o próprio filho para aumentar a margem de lucro, o menino que sonha com outro tipo de campo mas nem pensa em uma escola técnica que o qüalifique para a lavoura.
Aliás, por que ele buscaria qüalificação agrícola? Para trabalhar em terra alheia?
É esse cinza que nossa mídia preto ou branco não dá conta de entender ou explicar.
É mais simples vilanizar os sindicalistas e o sindicalismo, os sem-teto e os sem-terra.
Todos eles são, sim, atuais ou futuros consumidores de notícia.
Mas, como não aparecem no jornal, não são ouvidos no rádio e nem são vistos na televisão - a não ser quando se encaixam no estereótipo construído para eles - a tendência é que desenvolvam seus próprios meios de comunicação.
Já escrevi neste site sobre o que fez a CUT: tem jornal e programa de tevê.
Aluga horário em uma emissora de alcance nacional.
O mesmo vale para o MST, que tem sua revista.
Não, não existe uma conspiração de editores de jornais, repórteres e produtores de televisão.
Não houve reunião para vilanizar o governo Lula ou os movimentos sociais.
As redações são ocupadas por gente de classe média, que só encontra pobre no sinal de trânsito; e há as estrelas que se preocupam acima de tudo com seus próprios salários; e há os comentaristas políticos que escrevem e falam uns para os outros; e há os bajuladores que querem agradar aos chefes; e há os arrivistas que fazem qualquer coisa para botar a cabeça com cara de conteúdo na televisão.
Também eles transpiram interesses de classe e não precisam de reunião para adotar o pensamento único.
Vilanizar o outro, o diferente, é o primeiro passo para desconsiderá-lo, para achar que o voto dele vale menos do que o nosso, para não tentar entendê-lo.
Vilanizar o outro torna mais agudo o apartheid social brasileiro.
Vilanizar Marília Pera porque ela votou no Collor, Marilena Chauí porque ela não abandonou Lula ou o Paulo Betti porque falou a verdade - para fazer política é preciso botar a mão na merda - é comportamento típico da patota que se dirige aos leitores, ouvintes e telespectadores com a condescendência de quem acha que sabe mais.
Posso dizer que quero mais gente na internet porque quero mais leitores para este site, que por sua vez alimenta a Globo.com, que por sua vez é bom negócio para a Globopar.
Eu tomo o que aconteceu com minhas filhas como exemplo.
Adolescentes, avaliaram as publicações existentes e decidiram gastar o pouco tempo que tem com a... Caros Amigos.
De minha parte, quero ser lido por sindicalistas, pelos sem-terra, pelos homens do agronegócio e pelos empresários.
A diferença é que, em meu caso, não dependo deste site para sobreviver.
Assisti ao processo de fragmentação do mercado de informação e entretenimento nos Estados Unidos.
Hoje é tão subdividido que há nicho para uma revista especializada em tatuagens.
O mercado brasileiro enfrenta agora o mesmo processo.
Mas os grandes jornais, as revistas mais importantes, as redes de rádio e de televisão dependem, ainda, da grande massa de consumidores de notícia e diversão.
Quanto mais consumidores, melhor.
Há muito espaço para crescer, com milhões de brasileiros ascendendo, aos poucos, à classe média.
Mas os gestores de mídia estão enganados se acreditam que vão moldar este novo público.
Eles, gestores, é que terão que adaptar seus produtos.
Não podem mais correr o risco de falar para poucos - ou um dia desses vão descobrir que estão falando ao vento.