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As personagens dessa crônica são Sturm (André), ainda secretário da cultura da gestão Doria, em São Paulo, e Richthofen (Andreas), um jovem doutorado em Química, surtado sob efeito do crack. Homens cuja ascendência européia pode ser notada pela sonoridade consonantal dos sobrenomes.
Em comum o fato de serem dois homens brancos na cidade de São Paulo que gozam das benesses da branquitude. O primeiro, Sturm, para agredir, humilhar e manter-se impune no exercício de cargo público. O outro, Richtofen, beneficiário do direito de existir, explicar-se numa situação suspeita, manter-se vivo e livre, com direito à comoção humana que todos os seres humanos em situação de fragilidade e desequilíbrio deveriam merecer.
Sturm é acusado por ativistas culturais de práticas coronelistas, tais como: interferência nos resultados finais do Programa de Valorização de Iniciativas Culturais (Vai); no carnaval da cidade e na revogação e alteração do edital de Fomento à Dança, que já tinha os projetos pré-selecionados. O secretário também é responsável pelo congelamento de 47% da verba municipal da cultura para 2017 e pelo desmonte de políticas culturais construídas ao longo da última década.
Há poucos dias, durante reunião com ativistas culturais da região de Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, confrontado por um deles, o jovem negro Gustavo Soares, que reivindicava não trabalhar de graça para a prefeitura na gestão de um equipamento cultural, foi chamado de babaca e chato por Sturm. Descontente e alterado diante da argumentação continuada do jovem, ameaçou quebrar-lhe a cara. Gustavo Soares perguntou então se o secretário o estava constrangindo e chamou-o para concretizar a ameaça. Sturm, no melhor estilo Telequete, disse então que não o faria para não sujar as mãos.
O prefeito Doria, como esperado, minimizou o fato, chamou-o de bobagem. Os movimentos culturais periféricos da cidade trataram de pressionar pela queda de Sturm, por serem inaceitáveis suas práticas coronelistas. Procuraram o prefeito com abaixo-assinado de seis mil assinaturas, ocuparam a secretaria de cultura, foram alvo de nota mentirosa da secretaria acusando-os de agressividade na ocupação, intimidação de funcionários e tentativa de invasão do gabinete do secretário. Tudo desmentido em vídeo pelo secretário de relações governamentais, Julio Semeghini, designado pelo prefeito para mediar o conflito. Este, aliás, parece ter sido posto ali para atender às reivindicações dos ativistas, menos a deposição de Sturm. Afinal, se alcançado o intento, a turma pode achar que tem força e isso não será bom para o prefeito e sua gestão que apaga obras de arte dos muros e as substitui por corações vermelhos, feitos por ele mesmo.
A mensagem final é a seguinte: qualquer conjunto probatório que supere as convicções dos acusadores não faz sentido a depender do acusado, de seu sobrenome, de seu pertencimento racial, do lugar político ocupado e à gestão de quem se filie. Em outras gestões, uma nota mentirosa, assinada por uma secretaria e desmascarada por outra, seria o suficiente para a queda de Sturm.
Não foi. Mas, imagine se por um motivo qualquer, em situação pública, com testemunhas e gravação veiculada na internet à larga, o descontrolado Sturm, gestor público, tivesse ameaçado quebrar a cara de um dos cineastas signatários da carta do SIAESP – Sindicato da Indústria do Audiovisual de São Paulo que o apóia? Imagine que Sturm, em surto, intimidasse Cao Hamburger, Cacá Diegues ou Fernando Meirelles com um possível soco?
Caía, mano. Caía no dia seguinte. Não seria mais secretário. Mas, a ameaça foi feita a um pobre coitado, na opinião dessa gestão, e com esses, contra esses, está tudo liberado.
Andreas Richthofen, por sua vez, teve a vida destruída por uma tragédia familiar. A irmã mais velha arquitetou a morte dos pais de ambos e coordenou a execução dos assassinatos. Andreas teve a vida destruída, compreensivelmente. Não se sabe o que viveu, mas havia refeito a vida, era considerado um estudante competente de uma das melhores universidades da América Latina, a Universidade de São Paulo. Graduou-se, doutorou-se.
Foi encontrado em delírio, ferido, semi-desmaiado na porta de uma casa, cujo muro havia escalado. Por sorte, é branco, “não tem cara de bandido”, como disse o dono da casa invadida, que o socorreu e chamou a polícia, que, por sua vez, tratou o moço como gente.
Que maravilha. Um rapaz de sorte. Sorte por não ser um dos inúmeros pretos em delírio causado pelo crack ou pela lucidez de serem o que são e de saber como são tratados e de, por isso, serem mortos como ratos.