Por Allan da Rosa/Edições Toró
Na Bahia, a poeta e professora Lívia Natália é pressionada por publicar o poema “Quadrilha”. Junto com ela, dentro dela e ao seu redor toda a liberdade de expressão e a reflexão da arte, da ficção e da Poesia podem ser estranguladas quando se vislumbra que a pressão da PM no estado arranque o poema antes de terminar a circulação de 2 meses prevista e contratada. É de Censura descarada que falamos. A que ampara o genocídio diário. A que dança na baba dos programas de TV que nos carimbam a pecha de herdeiros da vala e dos presídios.
“Quadrilha” Maria não amava João, Apenas idolatrava seus pés escuros. Quando João morreu, assassinado pela PM, Maria guardou todos os seus sapatos. (do livro Correntezas e outros estudos Marinhos, Ed. Ogum´s Toques, 2015.)
Expostos em cartazes pelas ruas de Itabuna, pelo projeto “Poesia nas Ruas” da Fundação Cultural da Bahia para a propagação de reflexões e desfrute literário, os versos incomodaram policiais que se dizem vitimados e injustiçados pela obra. Lívia Natália então já recebeu incontáveis ameaças e ofensas. E, assim, todos nós também.
Seu poema “Quadrilha” mescla uma mira certeira com um ritmo envolvente e imagens nítidas, quase silenciosas de um afeto tombado. É paródia de um clássico poema de um grande poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, e oferece com leve amargura, serenidade dilacerada, a pergunta se podemos nos calar diante do genocídio do povo preto que voga do Acre ao Rio Grande do Sul e que na Bahia, especialmente, encontra aplausos de governantes e de grande parcela da sociedade que patrocina ou se cala diante dos assassinatos de negros. Querem que se torne algo mesmo corriqueiro, que nos acostumemos com esse terror oficial. Porém, tal matança também enfrenta muita resistência organizada, questionamento e luta nas favelas, escolas, universidades e mídias que não topam reproduzir a nojeira das grandes emissoras.
Não vou forrar de estatísticas aqui os exemplos do nosso sangue derramado a cada hora, nem expor os muitos efeitos desse genocídio já ancestral, pilar da formação deste país. Além da violência psicológica, da diarreia infantil, da fome e tristeza pela negação de trabalho, a destruição de nossa gente tem numa mão a metralhadora e na outra a borracha e o aval de juízes também deformados mentalmente em suas faculdades e famílias desde cedo com os valores (?) racistas, tanto quanto qualquer um que seja bombardeado dia-a-dia com os estereótipos atribuídos a negros e moradores de periferias nos programas de crime na TV.