A luta pelo livro livre

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(Na Câmara Municipal de SP, a audiência pública do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca) Há anos uma letra quebrada, entusiasmada entre o tom mais satírico e a gana mais dolorida voa. Há muitos anos. Se falando de Brasil, há uns mais de quinhentos. Porque a grafia dos povos indígenas freqüenta cestarias e rochas, areias e tatuagens. Se a orelha é o campo da horta, se a língua com sua saliva é carinho e pedra de estilingue, não se desconsidere estas escritas. Se ainda não letras, já sinais de mensagens em riscos bem feitos. Preta africana veio uma leva de letra. Seja de grafias kikongo, quimbunda ou kisuahíli, seja se fonte amárica etíope ou de riscos mandingue. Letra é treta e se as escolas para poucos daqui, formando padres e advogados, sempre alijaram negr@s, além do corpo ouvinte e dançante, do corpo trançando histórias musicadas, além da mão cheia de histórias trocadas em brincadeiras e planos de mocambagem, também vale dizer que cadernos, patuás e muros foram beijados pela letra negra. Pra também dizer que cada vez mais descobrimos casos de gente escravizada ou envolvida no tráfico de gente que dominava seus diários e memórias, de alforriados que chapavam nas teias de fonéticas e numerais, e de aquilombados que alinhavam suas histórias. IMG_6239Nos últimos dois séculos, já urbanos, também vogou vindo de baixo, brotando temporais do chão pra cima e das beiradas pros miolos, um bocado de letras que não parearam com as versões oficiais da sangria. Ou que mesmo parodiando estas historias carimbadas nos gabinetes finos, contaminou de alguma forma a arquitetura da casa, da história, do espelho. Tem muita água, lixenta ou cristalina, debaixo dessa ponte e o papo vale muitas estações de prosa e principalmente de leitura. Aliás, hoje quem é que lê e o que lê? Ficção em contos, quadrinhos, romances... Biografias, livros com discos para ouvir e comparar tom e parágrafo, timbre e respiração da vírgula. São muitos os textos farejando leituras, daquelas que trepidam um dia, agraciam um ano ou racham de flores um bairro. Nos últimos anos, por exemplo, das muitas quebradas paulistanas nasceram muitos livros e rodas de leitura. Dos saraus, hoje já consolidados e de todo naipe, aos encontros de discussão de obra e de ciência, muita gente se emocionou junto e com reflexão e mirada crítica debateu jeitos de fazer e de editar. De escrever com tesão, com sereno, propondo tramas e versos além daquela velha versão oficial, ainda dona da casa amparada por seus mesadinhas, no clube das belas letras. Editoras miúdas que não tem o mesmo lastro, capital e trafico de influência que as grandotas, mesmo fora dos esquemas cintilantes e carimbados de sempre, espirradas das prateleiras mais caras e desinfetadas, circularam e trouxeram este mote pra guerrilha. Porque quem quiser conferir vai encontrar o nome das mesmas, poderosas, na lista de compras das bibliotecas. E vai manjar fácil a circulação dos escritores do clube pálido pelos festivais e universidades ( quase sempre, porque nas faculdades e nos centros culturais do mundão todo cada vez mais se acende uma marginália com sede de estudo e em punga pra contaminar os eternos programas) Hoje na Câmara Municipal de SP é a audiência pública desse assunto. O Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca. Depois de vários encontros pelas periferias e centros da cidade, a chave é nessa noite de quinta. Quem quiser e puder, cola que fortalece. Horizontes abertos.