Verdura e feijão – Entre a oferenda e a oferta

Em Niterói, pro amém da peregrinação papal de novo sangraram a Terra. Em pleno parque de conservação ambiental derrubaram 300 árvores centenárias, abrindo conforto pra missa. Nada de novo em cinco séculos de colônia, com alguns milhões de mortos e de patrocínio bento

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Em Niterói, pro amém da peregrinação papal de novo sangraram a Terra. Em pleno parque de conservação ambiental derrubaram 300 árvores centenárias, abrindo conforto pra missa. Nada de novo em cinco séculos de colônia, com alguns milhões de mortos e de patrocínio bento. Mas qual o salmo dessa serra elétrica? Fazer mais cruz ou mais palanque? [caption id="attachment_14" align="alignright" width="300"] Nos calombos entre a oferenda e a oferta, até outubro o Brasil vai importar 200 mil toneladas de feijão, falou o ministro da agricultura. Que fartura (Imagem: Divulgação)[/caption] Aqui Brasil, floresta é fonte e é mata. Mata. Quem não se orienta e não reverencia, arreia e vira compostagem mais cedo. Tatas, kotas e xicarangomas nos ensinam a graça da harmonia, a trança entre o que é hoje, amanhã e ontem. E ensinam a sina das pelejas. Há uns anos atrás, no mesmo Rio de Janeiro, Aderbal Ashogun atiçou: se querem tesourar nossos terreiros da Floresta da Tijuca, derrubem o Cristo Redentor também. Aqui é nossa casa, foram cinco negros que reflorestaram. Sabia, ecologia? Mas como sempre, no alto da página o empreendimento ficou por conta do mandante, aquele um. A pinimba esquentou e quase triscando em tribunal sentiram o drama. Pra garantir estátua e cartão postal perseverou a negraça. Alma é cultura. Terra colhe lágrimas, inda há de nascer a árvore que dá fruta-sal. Logo confiscada por qualquer sementeira de veneno (A amada Monsanto garantiu agorinha na Europa a patente do brócolis…) Fosse ainda o tempo das pacoteiras e não do dinheiro digitado, arrastado no teclado pra onde o chicote seja mais lucrativo no mundão, o tolete de notas seria injetado direto no cofre do chão, enquanto La Pachamama não endurece de vez na pirraça mais justa. Troco vem sem dó e não se paga com royalties. Tá escrito no sangue e no vento, carimbado pelas vozes antigas. Acredita quem quer e quem pode. Onde é o inferno que enfiaram na cartilha? Vereadores de Piracicaba proibiram sacrifício de animais no ritual dos candomblés. Decretada a lei, foram comemorar na churrascaria? Tim tim… já quem votou e orou, capaz que foi num hambúrguer descongelado da esquina. Podia ler o Levíticos no livro sagrado enquanto mastiga… compreensão casa. O que tem trato e respeito, fundamento na hora do corte e do ebó, não rima com gaiola de vaca louca nem MacMinhoca sadia. Terra colhe lágrimas, inda há de nascer a árvore que dá fruta-sal. Logo confiscada por qualquer sementeira de veneno (A amada Monsanto garantiu agorinha na Europa a patente do brócolis…) (Foto: Divulgação) Nos calombos entre a oferenda e a oferta, até outubro o Brasil vai importar 200 mil toneladas de feijão, falou o ministro da agricultura. Que fartura. Terra blindada até cintila. Verde é o dólar. O governo precisa de paz e de acertos com as bancadas da enxada elétrica e do dízimo pra guiar nosso bem viver. Uma porcentagem fácil pra matemática da barriga. A Associação Brasileira de Reforma Agrária diz que de 90 até 2011 as áreas capinadas pra alimentos básicos como arroz, feijão, mandioca e trigo caíram, respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. No mesmo intervalo, o chão pro agronegócio exportador, pra mercadorias como cana e soja, aumentou 122% e 107%. Nas quebradas urbanas, longe da roça mas espremidos nos novos latifúndios e navios negreiros, arranhamos os porques do preço do feijão subir tanto: um motivo é a seca nordestina que espreme a esperança. Tristeza é o sobrenome de muitos. Terra esbagaçada depois de séculos de moenda babenta chupando todo açúcar possível da produção, melando castelos, gravatas e chaminés europeias, adoçando chácaras, paletós e jagunços do sinhôzin. Vampirizando africanias. Mas o outro motivo pra gente devolver o feijão na banca na quitanda, tirar batata do saco na hora da balança com o mais da sopa, é a sangria que banca as fazendonas, acocha índios no confinamento federal e comemora o crescimento da roleta no cassino. Meu mano Baltazar, cantador da Preto Soul, já lançou: “No Brasil, quem não é índio é negro. Eu sou os dois”. Aqui em São Paulo a Secretaria do verde é gabinete das cinzas, em breve deve chegar novo edital pra logotipo. Povo do desenho, atente: vá pensando imagem bacana pro concurso do novo cartaz. Secretaria das cinzas. Combinando com fardas e aventais. Com menos mato quais serão as novas valas pra quem cai de borco nos enquadros e coturnadas do medo nosso de cada dia? [caption id="attachment_15" align="alignright" width="296"] Terra colhe lágrimas, inda há de nascer a árvore que dá fruta-sal. Logo confiscada por qualquer sementeira de veneno (A amada Monsanto garantiu agorinha na Europa a patente do brócolis…) (Foto: Divulgação)[/caption] Movimentos ambientais avisam da joça que vigora na atual gestão da Secretaria do Verde, domínio de um brucutu surdo. Não há diálogo, há mando e exonerações politiqueiras. O senhor Clodoaldo Cajado, há anos administrador do Parque Santo Dias, revitalizou a verdejança no Capão Redondo. Com coletivos e usuários, debateu plantio, conservação, ancestralidade, seminários de educação ambiental e também acolheu debates sobre direitos humanos. De cima veio pro seu cangote um sai-fora. Ele e mais uma leva de gente formada em engenharia ambiental, florestal e agronomia, de papo fértil com o povo dos bairros, foi exonerada por quem chegou sem essa mínima formação exigida por lei, mas com diplomas rápidos de internet ou nem isso. O que importa é ser do time, bancar candidaturas nas eleições que vem? Não importa se vai calar a boca e as mãos. Trocadas as mudas verdes pelos mudos cinza. Os coletivos ambientais acusam favorecimento de empreiteiras, pra variar. E dizem que já caducou o contrato de serviços de segurança e limpeza de vários parques municipais. Há mais uma anomalia: o atual secretário do verde, senhor Ricardo Teixeira, de famosa truculência, pretende doar ou vender viveiros em nome do corte de custos e responde inquérito instaurado pela Promotoria de… Justiça do Meio Ambiente de São Paulo. Bem, São Paulo gira nas retas. Cimento e paúra. Vitrine é paisagem, cartão de crédito é travesseiro. Combina com a Secretaria da Saúde, há tempos já Secretaria da Doença. No Pronto Socorro do Servidor Público, na Vergueiro, entre a orquestra de gemidos, a falta de ar e as ponteiras nas costelas aposentadas, o povo se abana um ao outro, ou se encara e se jura no saguão abarrotado, esperando a consulta movido a Datena e à Cidade Alerta. É ali a preliminar do exame. Esporros teatrais, escândalos calculados, helicóptero musical sobrevoando o gueto e mirando o preto escolhido a meliante da vez. Pausa para as notícias do congestionamento. Breque pros anunciantes e a saúde bombada de academia, a modelo apertadinha. Até a volta ao pânico. Terapêutico saguão de espera. Horas com essa sessão holística, novo conceito de saúde integral. E chega a hora da ginga necessária pra não cutucar ninguém dos leitos encavalados até nos degraus das escadas. O corredor é o hotel de guerra. O caminho da glória no encontro com um médico amaciado pra pensar em máquinas e comprimidos, não em gente. Vem a receita de dopar. Uma vertigem gostosa. Sonhar com uma praia deserta, golfinhos comendo feijão.