A expressão "ativismo de sofá" geralmente é usada para designar de forma pejorativa quem se dedica a denunciar o que lhe parece incorreto ou escrever sobre o que lhe parece correto, utilizando as redes sociais, conversas de bar, um blog, um podcast, ou uma pequena faixa erguida no meio de uma marcha.
Mulheres, floresçam em uma nova Primavera Feminista
Por Francine Malessa e Francielle Esmitiz
A cada minuto uma mulher faz um aborto no país. Estima-se que 4,7 milhões de abortos foram realizados em 2016. Ainda que seja proibido, os abortos continuam acontecendo, mostrando que a proibição não impede que mulheres se submetam à condições insalubres, arriscando suas vidas para realizar um aborto. Em um estudo divulgado pela Organização Mundial de Saúde, os números de abortos são menores em países onde a prática é legalizada. Dos 25 milhões de abortos realizados no mundo anualmente, 45% são considerados inseguros, de acordo com a entidade. Entretanto, na América do Sul somente um a cada quatro abortos é seguro, sendo 80% dos abortos realizados de forma insegura no continente.
De acordo com a PNA - Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizado pela Anis- Instituto de Bioética, em 2016, 1 em cada 5 mulheres até os 40 anos aborta no Brasil. Os dados informam ainda que são mulheres comuns, de todas as idades, que já têm filhos e que fazer um aborto independe da classe social, raça ou religião. Como estas interrupções das gestações ocorrem? De forma clandestina, é claro!
Segundo informações do Ministério da Saúde, 4 mulheres morrem por dia em função de complicações de abortos. No país é a quarta causa de morte materna, mulheres negras têm 2,5 mais chances de morte que mulheres brancas.
O debate sobre o aborto está presente na sociedade há anos, registros apontam que as feministas brasileiras já tratavam sobre o aborto desde a década de 1970 e, em 1990 , passou a ser tratado como questão de saúde pública no Brasil (SCAVONE, 2008). Apesar de estarmos em um país “laico” o aborto é visto sob a ótica religiosa e legislado por um congresso formado, em sua maioria, por homens brancos.
A questão do aborto causa polêmica, gera disputa de sentido e vem sendo discutida na câmara dos deputados desde 1991. Um projeto de lei que buscava a descriminalização já foi votado e arquivado no passado e, em 2015, o deputado Jean Wyllys trouxe a questão de volta com um projeto que propõe a legalização do aborto no Brasil. Ele não chegou a ser votado.
Recentemente, temos assistido avançar a ameaça conservadora com relação aos direitos femininos no Congresso Nacional. Em 2015, corremos o risco de ver em votação um Projeto de Lei que prejudicava o atendimento a vítimas de violência sexual e previa penas específicas para quem induzisse gestantes de estupro ao aborto. A matéria legislativa não foi em frente porque o Brasil floresceu com a Primavera das Mulheres. Um dos principais atos feministas do século 21 no país.
Nas últimas semanas, tivemos notícias de um Projeto de Emenda à Constituição que pode retirar o direito de aborto em todos os casos que hoje são permitidos no país. Mais uma vez a proposta veio da bancada conservadora e religiosa do Congresso. Dessa vez, através da modificação estratégica de um projeto que busca ampliar os direitos das gestantes mães de prematuros.
Antecedendo a passagem do dia 28 de setembro, Dia Latino-Americano e Caribenho pela Legalização do Aborto, um dia de luta pela vida das mulheres, coletivos feministas, militantes e simpatizantes promoveram e participaram da 2ª Virada Pela Legalização do Aborto.
Com transmissões ao vivo pelo Facebook, os debates trataram desde a construção histórica desta data até questões contemporâneas que envolvem a discussão do tema. Um show das mulheres e coletivos engajados em garantir o direito de escolha sobre os nossos próprios corpos.
Vemos nesta mobilização online a possibilidade de fazermos emergir uma nova Primavera Feminista, para que possamos avançar no debate que emerge socialmente há anos.
Falar sobre o aborto é necessário porque todos os dias mulheres abortam e por realizarem esse procedimento de forma insegura, clandestina e em locais com condições precárias, muitas morrem. Mulheres morrem por não ter direito de escolha, por não terem informação sobre métodos anticoncepcionais, por não terem políticas públicas eficientes e pelo aborto ser criminalizado.
As brasileiras abortam independentemente da criminalização. Por isso, precisamos unir nossas vozes para garantir que as condições deste procedimento não resultem em mais mortes. Não é sobre ser a favor do aborto, é sobre ser a favor da escolha, sobre ser a favor de descriminalizar uma escolha. Somos muito mais que nossos úteros.
Alguns dados sobre o aborto no país:
4,7 milhões de mulheres já abortaram pelo menos uma vez.
A idade delas varia entre 18 e 39 anos.
66% têm filhos.
88% têm religião.
56% são católicas, 25% evangélicas ou protestantes, 7% possuem outra religião.
181 mil curetagens pós-aborto ou puerpério ocorreram em 2015 no SUS.
Em 2014, cerca de 33 mulheres foram presas, enquadradas no artigo 124 do código penal, de 1940, que criminaliza o aborto.
Sobre as autoras: Francielle Esmitiz é publicitária e mestranda em ciências da comunicação. A pesquisa de Francielle é sobre coletivos feministas mediáticos. Francine Malessa é jornalista e também mestranda em ciências da comunicação. Sua pesquisa envolve o aborto na comunicação.
Fontes:
FAQ Aborto (http://thinkolga.com/faq-juridico/aborto-f-q-definitiva/)
SCAVONE, Lucila. Políticas feministas do aborto. Estudos Feministas, Florianópolis, 16 (2): 440,maio-agosto/2008 – páginas 675-680. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/24327760?seq=6#page_scan_tab_contents>. Acesso em: 02 jul. 2017.
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