#MeToo: a importância de se quebrar o silêncio

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Por Thaís Campolina  

A hashtag #MeToo foi citada no Twitter mais de 800 mil vezes até a última terça-feira (17/10) e o número de pessoas participando segue aumentando. Atletas como as campeãs olímpicas McKayla Maroney e Tatiana Gutsu compartilharam suas histórias e celebridades como Lady Gaga, Bjork e as atrizes America Ferrera, Evan Rachel WoodLupita Nyong’o também falaram sobre.

A campanha ganhou tradução. #EuTambém e #YoTambien tomaram as redes e relatos de vários lugares do mundo vieram à tona e mostraram como a cultura do estupro se faz presente nos mais diversos lugares do mundo. A violência sexual, infelizmente, faz parte da vida de mulheres do mundo inteiro e vem acompanhada de culpabilização da vítima e do silenciamento delas.

#MeToo começou com Alyssa Milano publicando em seu Twitter a frase “se todas as mulheres assediadas ou agredidas sexualmente escrevessem #metoo em suas redes, talvez o mundo passaria a ter noção da magnitude do problema”. Seu post foi feito em apoio às denúncias de assédio e estupro contra o Harvey Weinstein, produtor hollywoodiano.

As mulheres de Hollywood resolveram falar. Os relatos continuam surgindo e a força da luta contra o machismo do meio crescendo. Além de Weinstein e seu irmão, Roy Price, da Amazon Studios, e o diretor James Toback também foram citados em relatos. James Toback foi acusado de assédio sexual por 38 mulheres.

Antes da hashtag e da multiplicação de relatos, muitas feministas temiam que o mundo e Hollywood encarassem o caso Harvey Weinstein como um fruto podre, algo isolado. Com a mobilização, escancarou-se a verdade dolorida de que há homens como Harvey nos mais diversos espaços e que lidar com o comportamento abusivo e reiterado desses caras é considerado parte do pacote de quem quer fazer parte de indústrias como a cinematográfica. As vítimas quebraram o silêncio e esse ato expôs como todos em torno delas também se silenciavam sobre o comportamento de Weinstein e de outros homens como ele.

Os movimentos brasileiros #PrimeiroAssédio, #MeuAmigoSecreto, #ChegaDeFiufiu, #MeuCorpoNãoÉPúblico e #MexeuComUmaMexeuComTodas são bem semelhantes ao #MeToo e também ocuparam as redes sociais. A grande adesão nessas campanhas mostra não só quão grave é o problema, mas também como o silenciamento das vítimas é uma constante nos casos de crimes contra mulheres e como a teia de relatos formada fortalece a voz das denunciantes.

A catarse coletiva que essas hashtags representam mostra que as denúncias feitas por mulheres encorajam outras a também falarem sobre. Forma-se, espontaneamente, uma rede de solidariedade e empatia que impulsona outras a se abrirem e fortalece as que já se manifestaram. Essas histórias estão, enfim, sendo tiradas de debaixo do tapete e isso é importantíssimo para que haja uma compreensão coletiva do que é o machismo estrutural e que ele precisa ser combatido em todos os espaços.

Os relatos de tantas mulheres expõem uma realidade que a maioria se nega a reconhecer. Numa sociedade que culpa a vítima, dizer #MeToo é um ato de coragem, força e solidariedade. Isso é enorme, mas depois de tantas campanhas de conteúdo próximo, arrisco a dizer que quebrar o silêncio é essencial, mas precisamos ir além de expor quão ruim o mundo é para nós.

Mulheres são a grande maioria das vítimas de violência sexual. Homens, especialmente quando crianças, também são vítimas, apesar de ser em menor proporção. Há uma questão de gênero e de poder exposta em quem são as vítimas, mas também há em quem são os agressores e a gente precisa tocar nesse assunto. A violência sexual é, em enorme maioria, cometida por homens e falar sobre a construção da masculinidade se basear no poder, na violência e na visão de que mulheres e tudo que é considerado feminino são inferiores a eles é essencial para o combate desse fenômeno.

Além de expor a gravidade do machismo, a gente também precisa falar sobre as engrenagens por trás da violência que a gente chama de “violência contra as mulheres”. Sem isso, nossas denúncias continuarão sendo encaradas como menos importantes, já que seguimos sendo vistas como menos dignas que eles e, mais uma vez, toda a discussão não chegará em quem deveria, já que a violência cometida contra nós segue ignorada a maior parte do tempo.

O caso de Weinstein mostrou que muitos tinham uma noção do comportamento misógino do produtor e seguiam ignorando isso, trabalhando com ele e o apoiando de alguma forma. As vítimas quebrarem o silêncio é um passo importante, mas ainda falta a sociedade num todo encarar os relatos de crimes contra as mulheres com a seriedade devida. Enquanto isso, muitos seguirão acobertados, como o próprio Weinstein foi por anos, porque a cultura do estupro conta com o silêncio negligente de quem ignora a magnitude do problema.


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