O título do documentário faz alusão à Emenda Constitucional número 8, que passou a ter efeito no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, em 2008. De acordo com a tal emenda, que ficou conhecida como Prop 8, o casamento entre pessoas do mesmo gênero passou a ser considerado inválido no estado. Em termos práticos isso significou que uma parcela considerável da população da Califórnia simplesmente recebeu uma carta do governo explicando que seus respectivos casamentos não seriam mais reconhecidos pelo estado.
Foi uma decisão tão chocante que pessoas sensatas, dentro ou fora da Califórnia, ficaram se questionando: como é que tal lei conseguiu ser aprovada? Como que um estado tão progressista como a Califórnia acabou por cercear o direito de um grande número de pessoas dessa forma?
A resposta é, a princípio, simples: trata-se de um resultado previsível quando direitos de minorias são levados a pleito popular. É exatamente por esse motivo que muitos ativistas de direitos humanos desaconselham veementemente que as questões referentes às camadas mais vulneráveis da sociedade sejam objeto de decisões oriundas de referendos e afins.
Pois foi o que aconteceu na Califórnia em 2008. Com 52% dos votos favoráveis, a bancada que se opunha aos direitos LGBT conseguiu retirar deles um direito que havia sido conquistado com muita luta. Meio que sem acreditar que a campanha anti-LGBT havia vencido – financiada pela igreja e setores mais conservadores da sociedade – a comunidade LGBT resolveu apelar para o Supremo.
E é agora que eu retomo o primeiro parágrafo desse meu texto: a comunidade contratou um dos advogados mais geniais dos EUA para argumentar que a decisão era INCONSTITUCIONAL e adivinham o quê esse advogado é? Exatamente: um conservador republicano, daqueles que prezam pela família, tradição e propriedade.
Theodore Olson (ou simplesmente Ted Olson) resolveu que pegaria o caso por um motivo bem simples: a seu ver, a pauta do casamento igualitário é conservadora por natureza. Vejam bem: não somos nós aqui do Ativismo que estamos argumentando isso. Trata-se do maior advogado republicano dizendo, em alto e bom tom para quem quiser ouvir, que qualquer pessoa que preze por valores como moral e bons costumes deveria APOIAR o casamento gay por um só motivo: o casamento é uma instituição tradicional que é garantida pela Constituição, que por sua vez, não faz distinção entre as pessoas. Dessa forma, o casamento é um direito constitucional que deve se estender a todas as pessoas adultas que assim o desejarem.
Em uma parceria inédita com David Boies, seu arquinimigo nos tribunais, a defesa feita por Olson foi toda realizada em termos de direitos humanos, pois a busca da felicidade é um direito inalienável da pessoa humana e ninguém deveria privar outro ser humano da busca da mesma em uma união consensual com outra pessoa adulta do mesmo sexo.
Para representar a comunidade LGBT, dois casais – um gay e um lésbico – foram escolhidos. Essas quatro pessoas estiveram no epicentro de uma das disputas legais mais importantes dos EUA – e eu diria do mundo, também. Ao expor com bravura as particularidades de suas vidas, essas pessoas deram um rosto à luta por direitos iguais e provaram, de uma vez por todas (pelo menos na Califórnia), que o amor transcende as barreiras do preconceito e que as pessoas homossexuais são tão humanas e merecedoras de direitos como as que se proclamam hétero.
Afinal de contas, se a comunidade LGBT quisesse destruir a sociedade e seus valores tradicionais, ela não estaria lutando tanto pelo direito de se ajustar e ter os mesmos valores aplicados no seu dia-a-dia. Em outras palavras, Ted Olson argumentou que ser contra o casamento igualitário é marginalizar pessoas que pensam em termos estritamente tradicionais. E foi com essa argumentação que Olson venceu o caso e arquivou de forma permanente a tal da emenda 8.
O Almanaque Virtual fez o seguinte comentário com relação ao documentário: "Muito bem documentado, o filme é uma aula magna sobre democracia, mas também atua como instrumento dramático ao mostrar os casais na intimidade em cenas repletas de espontaneidade". Em tempos em que um beijo lésbico causa um verdadeiro furor no Brasil, com uma onda conservadora pronta e mais do que disposta a perseguir ainda mais as minorias, eu diria que o comentário do Almanaque foi certeiro: assistir o Case Against 8 é uma verdadeira lição. No Brasil, o STF já deixou claro que as uniões homoafetivas e a adoção de crianças por casais homoafetivos não ofendem a Constituição, mas com a bancada evangélica fazendo questão de repudiar publicamente a cena em um documento que faz zero sentido em um estado laico, eu só posso afirmar que precisamos caminhar muito para garantir a dignidade das pessoas não hétero e evitar retrocessos.
O casamento na maior parte das legislações não é simplesmente uma solenidade moral e religiosa. É uma solenidade geradora de direitos e deveres, dentre eles de transmissão de patrimônio, direitos previdenciários e cuidado familiar. Logo, no Brasil, negar o casamento igualitário é recusar a igualdade tão festejada pela Constituição da República de 1988. Sendo assim, todos os casais não héteros que queiram se casar devem ter esse direito assegurado e sua união reconhecida pelo Estado e pela sociedade.