A expressão "ativismo de sofá" geralmente é usada para designar de forma pejorativa quem se dedica a denunciar o que lhe parece incorreto ou escrever sobre o que lhe parece correto, utilizando as redes sociais, conversas de bar, um blog, um podcast, ou uma pequena faixa erguida no meio de uma marcha.
Violência doméstica não é piada!
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Alemanha não "estuprou" o Brasil. Eles simplesmente ganharam. Desde quando estuprar se tornou equivalente a ganhar? Escolha suas palavras com sabedoria. |
Texto de Thaís Campolina
O futebol ainda é um reduto masculino quase intocável: no Brasil, apenas o futebol masculino é valorizado, o jornalismo esportivo tem como uma das principais pautas musificar torcedoras, jornalistas, bandeirinhas e atletas e as torcidas continuam usando frases como "ele joga como uma menininha" para ofender jogadores e times e a rivalidade entre times é fortalecida com xingamentos homofóbicos, misóginos e às vezes até racistas.
A construção da masculinidade perpassa pela valorização da agressividade e pela reprodução de opressões contra grupos vulneráveis, como mulheres e crianças. Sendo, no Brasil, o gostar de futebol e ser torcedor parte da cultura da masculinidade, oprimir dentro do futebol é considerado algo natural e não criticável.
A ostentação que muitas vezes é reproduzida pelos jogadores e pela mídia reforça a cultura da meritocracia, que só fortalece o capitalismo e, principalmente, o machismo, visto que muitas vezes as namoradas, companheiras e esposas dos jogadores são tratadas como troféus. As mulheres que acompanham os craques são objetificadas, são vistas como um prêmio que veio do esforço e treino deles, assim como os carros importados que alguns adquirem.
A objetificação das mulheres é um lugar-comum do jornalismo esportivo. A musificação de mulheres para atrair cliques é uma prática comum que mais uma vez reafirma que esporte, especialmente futebol, não é um lugar em que mulheres são bem-vindas. Atletas, jornalistas e torcedoras são constantemente lembradas que são enfeites e não indivíduos. Ainda hoje, quando uma mulher fala de futebol, ela não é levada a sério. Gostar de futebol é visto por muitos homens como algo que mulheres fingem fazer pra conquistá-los. Um exemplo do machismo em torno do futebol é que recentemente, uma bandeira, após cometer um erro crasso de arbitragem, sofreu com o machismo de fãs do esporte e até com um comentário objetificador e machista de um diretor de futebol.
No período de Copa do Mundo, muitas mulheres relataram assédio verbal e até físico no espaço público por parte de torcedores estrangeiros e brasileiros e de certa forma, isso era previsível, não só porque são práticas naturalizadas na cultura machista, mas também porque a forma que o jornalismo esportivo é conduzido reproduz a ideia de que mulheres são apenas um corpo disponível e não pessoas completas, com vontades, anseios e direitos.
Além disso, quando um time perde de goleada, é comum ouvir e ler pessoas dizendo que o time perdedor "foi estuprado". Essa frase, apesar de comum no meio do futebol, é de uma insensibilidade tremenda porque banaliza uma violência seríssima. Mas as "piadas" de viés misógino não são apenas reforçadoras da cultura do estupro, mas também da violência doméstica.
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Matéria "Goleada da Alemanha contra Brasil na Copa gera piadas na internet" |
Após a derrota do Brasil de 7 x 1 na semi-final da Copa do Mundo em casa, essas piadas de extremo mal gosto viraram febre na internet. Vários memes foram feitos e de forma muito irresponsável, o G1 veiculou uma imagem reforçadora de violência doméstica com a legenda falando que a imagem representava "uma crise familiar".
A irresponsabilidade do veículo de comunicação ao veicular a imagem como se engraçada fosse e ainda com a descrição de que ela trata de uma crise familiar e não de violência é gritante. Num país com estatísticas tão assustadoras de violência doméstica e discriminação contra a mulher, banalizar uma violência como essa é reforçar a cultura que a mantem presente e sistêmica.
Vídeo da campanha inglesa.
A veiculação da piada misógina no portal do G1 se torna ainda mais absurda quando analisamos a publicação sob a ótica de que uma campanha inglesa contra violência contra a mulher apresentou o dado de que no contexto inglês, os casos de violência doméstica aumentam cerca de 38% quando a Inglaterra é derrotada. No Brasil, as estatísticas não devem ser as mesmas, mas agressões especialmente contra mulheres aumentam sim após derrotas, especialmente goleadas.
Ser uma piada e ser sobre futebol não afasta o caráter opressor da imagem. É necessário reconhecer que sim, o futebol muitas vezes reproduz dinâmicas de poder que devem ser questionadas e criticadas. Enquanto ignorarmos o machismo, racismo, homofobia e transfobia presentes no futebol, jamais conseguiremos eliminar tais preconceitos da nossa cultura. A cultura de violência das torcidas, as ofensas preconceituosas que surgem com a rivalidade dos times e a exclusão das mulheres como futebolistas e comentaristas de futebol não é saudável e nem natural, ela só é um sintoma de como a masculinidade é construída de forma problemática e como o futebol, como espaço masculino, acaba por reproduzir tudo isso.
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