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el
Ninguém queria brincar com ela.
Era suja. Estava quebrada.
Desde quando? Quem sabe dizer?
Quando a pegavam para brincar, era sem respeito, sem carinho, com desprezo. Puxavam seus membros, arrancavam seus cabelos, arranhavam seus olhos, rasgavam suas roupas, desfaziam suas costuras.
E ela ia quebrando mais e mais, desbotando mais e mais, se desintegrando mais e mais.
Depois de um tempo, de tão quebrada que estava, ela começou a machucar quem a tocasse. E isso afastou ainda mais as brincadeiras boas e aumentou ainda mais a frequência das brincadeiras que feriam, que machucavam.
E riam dela enquanto a machucavam, enquanto a torciam e distorciam e a colocavam em posições ridículas, absurdas. Riam dela e dos barulhos estranhos que ela fazia enquanto mexiam nela. Riam dela enquanto faziam com ela tudo o que queriam fazer com quem não era ela.
Riam dela, de sua sujeira, de seu estado. Riam dela.
Quando a usavam, era como se ela fosse tudo a ser odiado, destroçado, rasgado ao meio, batido e pisado. Quando a usavam, a raiva do mundo passava. Ela era um saco de pancadas, um objeto descartável em que canalizar toda fúria e ímpeto destrutivo e maldade que não se quer admitir que se tem.
Ela falava, aliás. Ela dizia "Você é um monstro. Eu te odeio. Todo mundo te odeia. Olha para você". Ela dizia isso com os olhos frios e mortos brilhando de crueldade.
Mas só se estivesse na frente do espelho. Ela estava quebrada, afinal.