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[caption id="attachment_917" align="alignleft" width="418"] Cena do filme "Piratas do Caribe - A Maldição do Pérola Negra"[/caption]
As pessoas que te conhecem te perguntam o que é que você tem. Porque está claro para elas que alguma coisa você tem.
E isso antes mesmo de você saber que tinha alguma coisa. Ou querer saber. Querer reconhecer. Mas a nossa cara a gente só olha de manhã, no espelho, ou de relance, aqui e ali. Acaba que passam batidos para nós os nossos olhos caídos, sem brilho, a nossa boca murcha, a nossa face solta. O nosso sorriso escasso e sem leveza.
Lembro daquela fala do personagem de Geoffrey Rush, Capitão Barbossa, em Piratas do Caribe, descrevendo como era a maldição do Pérola Negra: "A bebida não satisfazia, a comida virava cinzas em nossas bocas, e nem a companhia no mundo diminuía ou extinguia nossa lascívia" ("The drink would not satisfy, food turned to ash in our mouths, nor the company in the world would harm or slake our lust"). A primeira vez em que a ouvi, pensei comigo que a maldição do Pérola Negra era a depressão.
Está tudo bem. E daí não está mais. O mundo é o mesmo. E daí não é mais. Mas é. Como pode?
Nada para lá fora, mesmo quando a gente para aqui dentro. A velocidade interna e a externa entram em descompasso e a gente se desequilibra. É um abismo; temos vertigem.
Sentimos menos as coisas boas, sentimos mais as coisas ruins. Uma anestesia seletiva, que distorce a nossa percepção. Acabar o papel higiênico é uma calamidade. Quebrar um copo é uma tragédia. O sinal que fecha na hora de a gente passar é uma catástrofe. Tudo, não importa quão pequeno possa ser, para nós se transforma num símbolo, num sinal, uma prova de que nada dá certo, que não fazemos nada certo. Que não cabemos mais.
Coisas que sempre fizemos com prazer começam a nos cansar de um jeito estranho, que dá muita preguiça, muito sono.
A gente luta contra essa exaustão como quem se debate em lama. E esse esforço gera um desgaste que dissolve a nossa mente, a nossa atenção, a nossa presença, resultando em erros, errinhos, errões, que vão se somando gerando um círculo vicioso de mal-estar corrosivo.
Corpo e mente pedem descanso. Pedem deite. Pedem fique.
Mas quem é mãe, cadê deitar, cadê ficar? Não pode deitar e ficar nem quando está doente do corpo, que dirá doente da cabeça, que é coisa que não se enxerga, que a gente aprende desde cedo que é frescura? Cadê tempo, jeito, coragem de se respeitar? Cadê?
Não tem.
Daí vem angústia e ansiedade de ter que sair, ter que interagir, ter que funcionar.
Seria bom tudo isso, mas no nosso tempo. Não tendo que. Ter que só torna as coisas piores.
E daí a gente levanta da cama com os pés de chumbo cinzentos como os óculos que de repente grudaram nos nossos olhos e amorteceram a nossa vida, brigando, tentando a cada passo fazer aquela neblina se dissipar por força de vontade. Afinal é o que dizem, né? Que é só querer.
Devemos estar querendo errado. Só pode ser.
E mesmo que não queiramos esconder sentimentos das crianças, chega uma hora em que elas começam a cuidar da gente, ao invés de a gente cuidar delas. E o custo disso, emocionalmente, é algo que só de se pensar em impor a ume filhe já traz uma culpa monstro que piora bastante as coisas.
Então a gente não esconde. Mas para de mostrar. Ou tenta. Guarda para quando está sozinha. Ou sozinha de criança, e chora copiosamente no supermercado, diante de pessoas sem importância nas nossas vidas.
Não consigo lembrar de uma época em que o cachorro da depressão (e por favor veja a animação no link, porque vale a pena) não estivesse ao meu lado de alguma forma. Às vezes mais evidente, latindo, rosnando e cagando por todo lado. Às vezes fora da minha vista, mas no canto do meu olho aqui e ali. Dormindo, quem sabe. Mas lá.
Houve um tempo em que eu achei que era eu. Eu era assim. Mais tarde, quando descobri o poder de falar de verdade, de estar vulnerável, de me conectar, me descobri por debaixo daquilo tudo, me resgatei daquela água gelada.
Só que agora eu desacostumei. Não quero mais entrar lá. Não quero mais sentir aquele frio. Eu sei que ele está vindo, tremo só de pensar.
Me desespera a maresia das minhas lágrimas enquanto eu congelo aos poucos. E fico imaginando se vou conseguir me manter à tona desta vez. Se vai passar desta vez. Ou se eu vou passar antes.
Racionalmente eu sei que é besteira. Mas quando a festa acaba, o povo some e a noite esfria, eu sobro com meus pensamentos e eles deixam de ser tão racionais. O casaco na cadeira vira monstro; o sol que se pôs ameaça nunca mais levantar. E a depressão parece que vem e desta vez vai ficar. E eu vou ter que viver assim. Ou não viver.
É muito frustrante passar por isso de novo, quando ousei acreditar que nunca mais iria acontecer. É muito terrível passar por isso na maternidade, com pessoas às vezes tão jovens dependendo da gente, especialmente quando a gente se culpa tanto até mesmo pelo que não tem como controlar.
Pelo menos, desta vez, meu ferramental é outro. Eu hoje sou capaz de legitimar meus sentimentos e pedir ajuda. Que é, no final, o mais importante.
Eu hoje sei que isto não é como eu sou, é como eu estou. E que vai passar.
Né?