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Outro dia tive a infelicidade de perder o meu tempo com o péssimo "Uma Família em Apuros" (Parental Guidance, 2012), a despeito de já ter jurado que nunca mais assistiria um filme com o Billy Crystal. É que tinha a Marisa Tomei. E a Bette Midler. Não resisti.
O filme gira em torno de caricaturar, distorcer e ridicularizar tudo o que foge do óbvio da criação tradicional. Claro, a personagem de Crystal é o cara legal e centrado que mostra o quão razoável seria dar umas palmadas nas crianças e ser escroto com elas de vez em quando. E, claro (2), a personagem de Marisa é a mãe neurótica que não escuta à sensatez dos homens ao seu redor (o pai dela, Crystal, e marido, ator x que parece o Ramsay Bolton do Game of Thrones) - ah, essas mulheres que inventam de pensar por si próprias, né?
Nem vou me estender sobre o filme; só o menciono por conta de uma fala dele, que considero perfeita para ilustrar um tipo de problema que vejo demais.
Em dado momento, a personagem de Crystal, o avô, faz uma observação sobre a personagem de Marisa Tomei, a mãe, filha dele, nas linhas de (não me lembro com muita precisão): "É como se toda a maternidade dela fosse uma crítica à forma como nós a criamos".
Quantas vezes nós não encontramos, dentro da nossa própria família, uma resistência enorme, ressentida e magoada em relação às escolhas que fizemos que diferem daquelas feitas pelas pessoas que nos criaram?
Essa resistência pode se manifestar das mais diferentes formas, que vão desde o mero torcer o nariz até a mais descarada sabotagem. A imaturidade que se verifica em alguns casos seria mais compatível com a faixa etária das pessoas que são netas que com a das pessoas que são avós.
"Eu criei (insira aqui número de filhes), sei do que estou falando"; "Eu fazia (insira aqui prática a que não se aderiu) e ninguém morreu"; etc.
Eu não quero que mes filhes façam o mesmo que eu. Quero que façam melhor. Afinal, se todo mundo fizesse sempre igual, não haveria evolução, me parece. Mas o que é "fazer melhor"?
Uma das coisas que eu, como mãe, busco trabalhar em mim é o fato de que não necessariamente o que parecerá melhor para as futuras pessoas adultas que essas crianças serão parecerá melhor também para mim. E que seria muito adultista da minha parte presumir que, diante dessa discordância, a minha percepção será naturalmente a mais correta, ou, pior, que deva ser aceita, independentemente de qual delas seja a mais correta, só porque eu sou mais velha, porque eu sou a mãe delas, porque eu criei não sei quantes, porque ninguém que eu tenha criado morreu...
Aliás, como se a mera sobrevivência des nosses filhes fosse o máximo a que podemos aspirar como mães e pais, né? Como se estivéssemos, sei lá, vivendo durante um apocalipse zumbi ou alguma devastação de simllar magnitude. É verdade que muitas pessoas vivem sim numa batalha diária pela sobrevivência sua e de sua família. Mas, curiosamente, não é delas que costumamos ouvir esse tipo de colocação.
Ninguém é pai ou mãe perfeite. Claro, portanto, e muito saudável, que nosses filhes reproduzam aquilo de que gostaram e que viram como positivo e que tentem coisas novas naquilo que não gostaram, viram como negativo, ou mesmo que gostaram, mas que querem tentar fazer de um jeito diferente, que acreditam que poderá ser ainda melhor.
Não sei se tem como fugir, pelo menos inicialmente, da sensação de crítica. Como eu disse, ninguém é pai ou mãe perfeite, evidente, mas, ao mesmo tempo, dói constatar as nossas imperfeições, não é? Quem não queria atingir a perfeição, quando isso quer dizer fazer o melhor imaginável para quem a gente ama tanto? Quem não tem medo de prejudicar suas crianças? Quem nunca sentiu culpa em algum momento de sua mater/paternidade?
A questão é: como lidaremos com a nossa imperfeição? Reconhecendo nossos erros com com serenidade ou fingindo que eles não existem e deslegitimando tudo o que sentirmos como crítica?
Vamos impor a nosses filhes que reproduzam nossas falhas, como prova de seu amor por nós? Ou vamos sair de nossos umbigos e perceber que a forma como eles escolhem criar es filhes deles não gira em torno da gente, nem deveria?
Vamos fazer chantagens emocionais, torcer para que tudo o que não seja do nosso jeito dê errado e tripudiar cada vez que eles enfrentarem dificuldades? Vamos nos sentir pessoalmente ameaçades por aquilo que não estiver dentro das nossas expectativas? Vamos ridicularizar e distorcer e tentar minar a confiança deles em suas próprias habilidades como mães e pais?
Ou vamos perceber que a rejeição de determinados aspectos da nossa mater/paternidade não significa a rejeição a tudo o que nós somos e fizemos? Que o fato de eles encontrarem pontos a serem melhorados ou alterados não implica o não reconhecimento daquilo que foi bom para eles? Vamos confiar neles e respeitar suas escolhas como pessoas independentes de nós, capazes de pensar por si mesmas e tomar suas decisões sozinhas, como sempre (espero) quisemos que um dia se tornassem?
O piloto automático está programado para andar em círculos. O impulso tende a ser o de fazer o mesmo que nos foi feito. Por quê? Porque é só o que conhecemos, é tudo o que sabemos fazer. É o exemplo que nós tivemos.
E, mesmo que não nos faltem outras ideias, é assustador partir por mares nunca antes navegados, afinal, errar fazendo coisa nova coloca o julgamento na gente, na nossa ousadia de não seguir a norma. Se você bate na criança e ela não te obedece, o problema, as pessoas dirão, é a criança; se você não bate e ela te não obedece, o problema, as pessoas dirão, é você, porque não bateu nela.
Além disso, reconhecer que há algo a ser mudado é reconhecer que há algo também dentro da gente que poderia ser melhor, diferente. Ou mesmo, muitas vezes, reconhecer que há algo dentro da gente que ainda está ferido. E enxergar isso é difícil. Tanto é que, quando se fala sobre as inúmeras consequências negativas da palmada, sempre aparece alguém para gritar "apanhei e estou perfeitamente bem". Sinto, no fundo desse grito, uma tentativa desesperada de não se entrar em contato com um sofrimento que se busca ignorar, reprimir, esquecer.
E existe um outro aspecto, ainda mais perturbador: me parece que, quanto mais brutal é a criação, mais emocionalmente dependentes se tornam as crianças em relação a ses pais e mães. Dependentes da aprovação, temerosas do desamor. Parece que nem mesmo como pessoas adultas elas são capazes de apagar o instinto de autopreservação que as levava a agir de forma a evitar as surras, ou seja, fazendo tudo o que lhes mandavam fazer.
E nem mesmo como pessoas adultas elas conseguem perceber que nunca tiveram o amor que tanto lhes aterroriza a ideia de perder. Que essa aprovação que elas tanto anseiam por conseguir nunca virá. E nunca virá porque ela é a cenoura amarrada na cordinha que pende diante do burro. Ela é a força motriz da manipulação adultista a que elas pessoas ainda estão submetidas. Em algum nível, o pai e a mãe abusives sabem que não podem dar completa e incondicionalmente essa aprovação. Afinal, de que outra forma conseguiriam que ses filhes façam o que eles querem que façam?
Precisamos parar de querer que nosses filhes sacrifiquem suas crianças para provar sua devoção e gratidão a nós. Já não é triste e trágico o bastante que eles tão frequentemente sacrifiquem a si própries?