Atravessando a rua

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[caption id="attachment_693" align="alignleft" width="394"]Foto encontrada no Daily Mail (http://www.dailymail.co.uk/news/article-2332580/Why-did-duck-cross-road-To-reservoir-course-Mother-ducklings-bring-traffic-halt-to-water.html) Foto encontrada no Daily Mail
(http://www.dailymail.co.uk/news/article-2332580/Why-did-duck-cross-road-To-reservoir-course-Mother-ducklings-bring-traffic-halt-to-water.html)[/caption] Ela estava passeando a pé com seu pai. Ao atravessarem uma avenida movimentada, viu que um que carro se aproximava e parou, no meio do caminho. O pai, que estava desatento, primeiro avançou, daí avistou o perigo (tudo isso em fração de segundo) e não apenas decidiu continuar ao invés de parar, como pegou na mão dela e a puxou, ordenando: "vamos!" Instintivamente, ela puxou a mão de volta, dizendo "não!" Ficaram, assim, num cabo de guerra no meio da avenida e quase foram atropelades. Mais tarde, discutindo exasperadamente a respeito, ele disse que ela havia errado, porque não havia confiado nele. Ela argumentou que foi uma questão de autopreservação, não de confiança, que ela teria agido daquela forma fosse ele quem fosse. Ainda assim, assim ele passou vários dias brigado com ela, ofendidíssimo. Agora, o detalhe que torna essa história tão especial: ela já era uma mulher adulta quando isso aconteceu. Já havia atravessado em sua vida mais ruas e avenidas do que poderia contar; há tempos dominara a não tão sutil arte de evitar carros ao cruzar uma via em que eles se movimentam. Não havia qualquer necessidade para a intervenção dele. O que me abismou nesse relato não foi nem o fato de ele ter tomado uma decisão arriscada e tentado impô-la à filha, mas a falta de autopercepção dele: não foi ela que não confiou nele; foi ele que não confiou nela. Foi ele quem não confiou que ela fosse digna de confiar em si mesma, em seus próprios instintos, quem não confiou que ela fosse capaz de decidir por si mesma que atitude tomar. Foi ele quem presumiu que ela precisava que ele dissesse a ela quando andar e quando parar. Mesmo estando ao lado de uma mulher adulta, agiu como muitas pessoas agem em relação a crianças pequenas, como se suas impressões não fossem confiáveis. O problema da superproteção é que ela comunica à criança (ou mesmo ae filhe já adulte, como no caso) exatamente essa falta de confiança na capacidade dela de se virar sozinha. Não raro, com o tempo, essa falta de confiança é introjetada, absorvida, pela criança, e ela própria passa a não sentir segurança em si mesma. Afinal, as pessoas de maior referência na vida dela não parecem sentir, não é? Eu entendo a necessidade de proteger a quem se ama, mas, quando essa proteção passa por cima dessa pessoa, de sua vontade, de suas próprias decisões, acabamos, mesmo que sem nos darmos conta, adentrando a esfera do controle. Porque estamos partindo do princípio de que sempre sabemos mais e melhor. Não aceitamos que ela faça por si mesma suas escolhas, porque, no fundo, não acreditamos que ela seja capaz disso, e daí tentamos forçá-la a escolher o que nós queremos. Não raro, ainda, quando ela se nega, tratamos isso como ingratidão, como se, "depois de tudo o que fizemos por ela" ela nos devesse algo que só pode ter um nome: obediência. E sentimos que qualquer coisa além disso é insubordinação, porque, no fundo, nos vemos como ses eternes superiores hierárquices. Com relação a crianças, então, essa tendência se acentua. Não apenas porque a criança, de fato, precisa de ajuda, orientação, e proteção em diversos momentos e de diversas formas diferentes (e, às vezes, usamos isso para justificar a nossa imposição sobre elas mesmo quando não haveria essa necessidade), mas porque temos poder praticamente absoluto sobre elas. Efetivamente temos como forçá-las a se submeterem à nossa vontade, e a nossa sociedade adultista inclusive espera isso de nós, nos incita a tanto. O que nos leva a, muitas vezes, nos sentirmos no direito de fazê-lo. Quando a nossa necessidade de proteger se torna desrespeito, não há proteção, há controle. Autoritarismo. Ingerência. E tudo isso é destrutivo para a autoestima de quem sofre essa intervenção, como, aliás, toda forma de desrespeito costuma ser. Podemos acabar matando mais que salvando. De que vale o nosso amor se ele não respeita?  
*Meus agradecimentos à Cris, que foi quem me contou essa história! =)