É muito comum as pessoas nos aconselharem a adotar com crianças determinadas práticas com o intuito de que, no futuro, elas sejam isso ou aquilo ou pensem assim ou assado.
Costumo discordar desse tipo de motivação. Tenho para mim que o nosso trabalho adulto em relação à criança não é construí-la, juntar nela os tijolinhos que nós achamos importantes, mas mostrar a elas a maior variedade possível de tijolinhos e permitir que ela se construa sozinha, nos atendo a dar exemplos e orientação de como ela pode fazer isso e estando sempre presentes caso ela queira a nossa ajuda.
Não gosto do “para que” algo lá na frente. Ser empática com esta criança “para que” ela tenha boa autoestima quando for adulta, ouvir as opiniões dela com atenção “para que” ela não se torne mais tarde uma pessoa que não tem coragem de falar. Se sou empática, é porque quero que essa criança diante de mim se sinta acolhida HOJE, quero fortalecer o nosso relacionamento HOJE. Se ouço seu ponto de vista, é porque quero saber o que ela pensa HOJE e quero que ela saiba que eu me importo em saber o que ela pensa HOJE.
Sinto que, mais que ações direcionadas para um determinado resultado lá adiante, é importante ouvir e respeitar a criança no agora.
Criança é pessoa, não é personagem de RPG ou de videogame, que a gente escolhe como vai ser, se vestir, falar e andar, e gasta pontos colocando nele tal nível da habilidade X ou fortalecendo o atributo Y, e daí sai o boneco do jeito que a gente queria, com tudo aquilo que a gente “aplicou” nele, para agir como a gente quer que ele aja, um mero fantoche nosso.
Com a criança você nunca sabe o que vai dar quando mostra um tijolinho para ela, o que ela vai fazer com aquilo, se vai descartar ou se vai usar, e, se vai usar, onde ela irá colocá-lo, o que ela irá construir com ele dentro ela, como ela irá incorporar aquilo à compreensão de mundo dela.
Você pode, inclusive, fazer algo com um intuito e obter o resultado contrário. Por exemplo, se você coloca seu filho numa aula de artes marciais para que ele seja “bem macho“, ele pode se sentir tão inadequado que pegue total repulsa pelo estereótipo de masculinidade que tanto lhe agrada; ou você pode colocar sua filha na aula de balé para que ela seja uma graciosa dama e ela ficar com ódio do estereótipo da menininha-moça ao qual era o seu objetivo que ela se enquadrasse.
Quando a gente tem filhes, a gente põe gente no mundo. A gente cria pessoas, não bonecos, não objetos sem vida própria. Nós não temos garantias sobre quem elas serão, o que elas pensarão, como elas se sentirão. E isso faz parte da graça, né? Se não queríamos isso, nos contentaríamos com um tamagotchi.
Crianças não são simples extensões nossas, não estão aqui para realizar nossos sonhos, para serem por nós o que nunca fomos, para terem por nós o que nunca tivemos, ou mesmo para darem continuidade à nossa reputação, para podermos contar vantagem para a vizinha, para “nos orgulharmos” delas.
Que egoísmo adultista é esse que educa as pessoas desde cedo para serem dependentes do orgulho materno e paterno?
Para mim, parte essencial de não apenas ser mãe e pai, mas de quebrar o ciclo, é aprender a se desapegar dessas expectativas para permitir que a criança crie as suas próprias. E as satisfaça, ou não, ou as mude. Enfim, que ela seja realmente quem ELA quer ser. Que se sinta livre para sê-lo, mesmo que isso nos contrarie. Que saiba que será amada e respeitada, aliás, mesmo que nos contrarie. Que nosso amor não está condicionado à nossa concordância com as escolhas dela.