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Eu parei de trabalhar para ficar em casa com mes filhes.
Assim que fiquei grávida, pedi exoneração do meu cobiçado cargo público concursado e estável; não esperei sequer para usufruir da licença-maternidade paga pelo Estado. Essa foi uma decisão minha, um desejo meu que, dentro do meu universo de privilégios, me foi possível concretizar.
Essa foi a minha decisão muito antes de saber o que era criação empática*, antes de saber que bater em criança não era só desnecessário, como prejudicial. Para a sorte da minha filha mais velha (e minha também), eu consegui aprender tudo isso antes de ela nascer.
Nada que eu já fiz na minha vida antes me deu tanto prazer. Ou tanto trabalho. Sim, é estressante e às vezes muito difícil, mas é algo que eu faço de coração, com uma dedicação sincera, que vem de dentro de mim naturalmente, algo que eu nunca havia experimentado antes.
Perdi a conta de quantas vezes outras mães me perguntaram no que eu trabalhava e, ao ouvirem a resposta, baixaram os olhos e disseram que, se pudessem, teriam também parado de trabalhar. Que o pior dia da vida delas foi o dia em que tiveram que deixar seus bebês, às vezes com menos de um mês, com outra pessoa, para poderem retornar ao trabalho, porque dependiam desse sustento, ou porque suas carreiras jamais sobreviveriam a um período tão longo de ausência.
Eu não consigo imaginar a dor de se separar de um bebê tão novo contra a própria vontade. É por isso que eu apoio a ampliação da licença-maternidade (e, claro, da licença paternidade, porque não cabe à mulher sozinha cuidar des filhes).
Mas eu não posso ignorar que cada mulher é uma. Que cada realidade é uma. E que, assim como inúmeras vezes encontrei mulheres feridas por não terem podido ficar com seus bebês, inúmeras vezes encontrei mulheres que me disseram que não suportariam deixar de trabalhar. Que, por mais que amassem ses filhes, deixar de exercer uma atividade remunerada fora de casa as deixaria frustradas e infelizes.
Eu conheço os estudos e argumentos que demonstram que, biologicamente falando, o melhor para a criança é ficar junto da mãe nessa primeira infância, ou aos cuidados de uma coletividade, mas com a participação direta da mãe. Mas há muito mais em nós que só a nossa biologia. Não vejo como poderia ser bom para a criança ficar o dia todo ao lado de uma mãe amargurada e irritadiça, deprimida, que não queria estar ali.
Não quero com isso legitimar o discurso de “mãe feliz é bebê feliz, então vale tudo”. Existe mais de uma vontade envolvida nessa relação e uma dessas vontades é a de um ser completamente vulnerável e incapaz de se impor e isso não pode ser esquecido jamais. Só quero dizer que transformar a maternidade num moedor de carne de mulher é um erro e que não apenas a mulher é prejudicada por isso, mas a criança também.
Também não posso ignorar que não é porque o homem com quem eu compartilho a minha casa é consciente de suas responsabilidades como pai e habitante, que essa é a realidade de todas as outras mulheres.
Para a maioria, deixar de trabalhar é passar a depender financeiramente de alguém que já as vê como subalternas. É alimentar a covardia do machista. A maior parte dos homens acha que trazer dinheiro para casa encerra sua participação no lar – e foda-se que tem alguém trabalhando 24 horas por dia, sem direito a folga nem quando está doente. E é uma situação que não se reverte da noite para o dia, afinal, tem toda uma logística a ser considerada. Que tempo essa mulher vai ter para conseguir ir a uma entrevista de emprego? Com quem vai deixar as crianças?
Entendo, assim, que há muitas mulheres que precisam ou querem voltar a trabalhar mesmo tendo filhes pequenes. E é por isso que eu também apoio a demanda pelo aumento da quantidade e da qualidade das creches, além de uma política que permita às mulheres conciliar trabalho e cuidados com seus bebês, facilitando a amamentação e o convívio sempre que possível.
Não há, a meu ver, uma dicotomia entre licenças e creche. Pelo contrário, elas se complementam para atender a TODAS as mães. Me desagrada o debate que contrapõe uma opção à outra, porque é um debate que, na verdade, contrapõe escolhas pessoais de maternidade e cria uma disputa entre as mulheres representadas por essas escolhas. E enquanto nós estamos aqui, competindo entre nós, o sistema segue nos oprimindo.
Se o Estado atende a nossa escolha pessoal e nós nos calamos, mesmo sabendo que continuam impossibilitadas as escolhas de outras mulheres, nós estamos nos omitindo e permitindo que, através dessa divisão, ele nos enfraqueça e silencie.
É de interesse coletivo e urgente que nossas crianças sejam tratadas com o melhor cuidado possível, porque elas serão as pessoas adultas de amanhã. Elas estarão à frente das comunidades de que participaremos. Elas estarão encarregadas dos cuidados e funções de que nós um dia necessitaremos. Portanto, chega de “quem pariu Mateus que o embale”. Chega de “problema dela”. O problema é nosso.
Mulheres devem ter mais opções, não menos. Lutemos unidas pelas creches, pelas licenças e por muito mais!
***
*Por “criação empática”, me refiro à forma de criar antiadultista, respeitando a criança como ser humano, buscando uma relação horizontal e não autoritária dentro de casa. Eu usei o termo “attachment parenting”, ou sua tradução comum “criação com apego” por um tempo, mas sinto que eles causam mal-entendidos, porque tornaram mais identificados com um conjunto de práticas (parto humanizado, amamentação prolongada, cama compartilhada, etc.), do que com a filosofia de criação e educação que, na verdade, surgiram para denominar - e que é o meu foco real.