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O adultismo é a opressão da criança pela pessoa adulta. Ele parte de uma visão que desconsidera a criança como ser humano, impedindo que o indivíduo adultista empatize com ela. Ele pode até achá-la fofinha, pode “gostar de criança”, mas da mesma forma como gosta de gatos, cachorros, canários... Não existe nele, pela criança, o mesmo respeito que ele tem pelas pessoas adultas.
Eu vi num texto do Alfie Kohn uma citação que achei perfeita, de Magda Gerber: “Muitas coisas horríveis foram feitas em nome do amor, mas nada horrível pode ser feito em nome do respeito.”
Tanto se acredita que as crianças não merecem respeito que hoje vemos um Senado unido pelo “direito” de humilhar crianças. Ou seja, não querem apenas o "direito" de agredi-las fisicamente: consideram um acinte que lhes seja negado pisotear a dignidade de ses filhes quando bem entendem.
Claro que há pessoas que ainda defendem que isso é necessário para a extirpar o mal que existe na criança, para torná-la boa. Mas sabemos que, no fundo, o que se pretende é continuar podendo transferir o próprio sofrimento para quem não tem como se defender.
Muita gente acha o adultismo algo válido justamente por que um dia poderemos passá-lo adiante, como um trote de faculdade (que também me parece ser baseado numa espécie de Síndrome de Estocolmo): você sofre hoje, daí se torna parte do grupo e passa a defendê-lo, porque, inclusive, amanhã será a sua vez de fazer sofrer a quem chega.
O negro sempre será negro, a mulher sempre será mulher, a pessoa LGBT* sempre será LGBT*. Mas a criança um dia será adulta. E daí poderá ser adultista com crianças como a que um dia ela foi. Ou seja, ao invés de impedir que outras pessoas passem pelo que ela passou, fazendo por elas o que não pode fazer por si mesma, ela poderá se colocar na posição de agressor, “vingando-se” ao impor a outrem a mesma dor que sentiu. Assim, ela não estará sozinha, tudo fará parte de um ciclo, tudo será justificado e necessário e ela não precisará pensar a respeito, sentir raiva, tristeza, indignação. É só soterrar tudo embaixo do “agora é a minha vez!”
Mas o adultismo não some depois que a gente cresce.
Aprendemos desde cedo a “honrar pai e mãe”. Não é só algo religioso, é algo que permeia toda a nossa cultura. Alice Miller falava disso, do quanto esse pedestal em que se colocam os pais nos impede de entrar em contato com nossos sentimentos e reconhecer nossas dores, como se fazê-lo fosse um sacrilégio. Nos obrigamos a perdoar e esquecer, afinal, são nossos pais. Eles estão acima do bem e do mal e nós só lhes devemos a nossa gratidão. Como se fosse um favor cuidar da criança que nós escolhemos criar.
Esse processo de silenciamento nos faz muito mal, gerando diversos desdobramentos psíquicos e inclusive físicos. Muitas vezes, o trauma sofrido causa menos dano do que o silêncio a respeito dele.
Além disso, para muitos pais es filhes jamais crescerão. Eu uma vez ouvi de um britânico uma história que ilustra bem isso: um dos veterinários mais bambambam do Reino Unido foi visitar a fazenda de seus pais. Chegando lá, disseram-lhe que um dos animais estava doente e ele resolveu dar uma olhada. Enquanto ele examinava o bicho, sua mãe apareceu e soltou a pérola: “não está na hora de chamarmos um veterinário de verdade?”
Pois é. A pessoa cresce, se torna adulta, mas continua sendo vista como "criança": incompetente, inepta, sem dignidade.
Não se espera que de ninguém a tolerância à violência, ainda que "apenas" verbal e psíquica. Mas, a partir do momento em que se estabelece que a parte agressora é um pai, uma mãe, de repente, a gente tem que ser compreensivo, paciente. Tem que entender. Muites suportam absurdos porque “papai é assim mesmo” ou “é o jeito da mamãe”.
Por que o tratamento digno não é exigível justamente das pessoas de quem mais poderíamos esperá-lo? Por que mantemos em nossas vidas indivíduos que nos tratam de uma forma que não admitiríamos de mais ninguém?
Crianças aprendem pelo exemplo. Não basta que as respeitemos e exijamos que nos respeitem quando permitimos que outras pessoas nos desrespeitem diante delas. Especialmente no contexto de um relacionamento em que se diz haver amor (qualquer que ele seja).
Eu quero que mes filhes cresçam sabendo que são, como todas as demais pessoas no mundo, dignes de respeito simplesmente por existirem. Inclusive o meu.