Os homens no feminismo e o protagonismo da mulher

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Se você é um homem que se considera feminista ou aliado do feminismo, pode ser que às vezes você se sinta frustrado por querer ajudar e ser recebido com animosidade no movimento feminista. Você conhece o movimento de verdade e o abraça como necessário para dissolver as opressões presentes na nossa sociedade, mas mesmo assim não se sente bem-vindo. Sente-se excluído e marginalizado. Sente que as mesmas mulheres que tanto clamam pela igualdade de gênero dão importância demais ao fato de você ser homem. E você só quer ajudar. Não, você não é o inimigo. Pelo menos, não necessariamente e, muitas vezes, não intencionalmente. Aliás, na minha opinião (sei, no entanto, que há feministas que discordariam de mim), nenhum homem é o inimigo só por ser homem. Acontece que, muitas vezes, os homens no movimento fazem críticas que podem ser lidas como tentativas de ensinar às mulheres como ser mulher, como ser feminista, o que é feminismo e como ele deve ser praticado. Essa é uma atitude condescendente e paternalista, que obviamente causa de grande consternação no meio feminista quando vinda de homens, porque é percebida como uma invasão do mando masculino num meio criado precisamente para nos pormos a salvo disso. Vou tentar explicar fazendo uma comparação: alguém branco diria que “muitos negros não sabem ser negros” ou que “o movimento negro também é para os brancos que desejam uma sociedade mais justa e os brancos têm o direito de reclamar quando veem erros sendo cometidos pelo movimento negro”? Não soaria estranho? Meio que alguém de fora se intrometendo em algo que não tem como saber de fato como é (mesmo que sua própria realidade seja influenciada por isso)? Ditando regras sobre o que é sofrer e lutar contra uma opressão que só conhece como espectador ou perpetrador? O branco salvador, o “mighty whitey” vindo salvar os negros de sua própria ignorância? Dizendo a eles o que é ou não movimento negro, o que representa ou não o movimento negro, o que defende ou não a pessoa negra da opressão racista? Similarmente, na maior parte das vezes em que um homem critica o movimento feminista ou as mulheres como um todo, fica um tom de todo-poderoso e sábio homem, salvando as mulheres de si mesmas e iluminando os caminhos obscurecidos pelos seus incontroláveis hormônios e exageradas emoções. Entende o que estou querendo dizer? É uma atitude inferiorizante. E o feminismo não é só um movimento de defesa e proteção da mulher, de desconstrução da opressão. É um movimento que busca atingir esses objetivos empoderando as mulheres, para que construam a confiança de que necessitam para se emanciparem de fato. A gente mostra o caminho, a gente tenta remover os obstáculos, mas as pessoas têm que caminhar com suas próprias pernas e por sua própria vontade, ou não terão se emancipado de fato. Nós crescemos sendo ensinadas, implícita ou explicitamente, a ouvir e obedecer homens e considerar suas opiniões antes e acima das opiniões de mulheres. Quando você se esquece da sua posição de destaque por ser homem, quando fala pretendendo ensinar às mulheres o que é ser mulher, ou como uma mulher (feminista ou não) deve ser ou agir, você reforça a ideia de que as mulheres têm que buscar esse tipo de referencial junto a homens como você – e não mulheres como elas. Você acaba reforçando o conceito machista de que a sua opinião sobre as mulheres é mais importante do que a delas sobre si mesmas. E quando você critica o feminismo que você tanto quer apoiar, muitas vezes você ajuda a consagrar para as mulheres ainda fora do movimento a visão do feminismo como algo falho, que não vale a pena, além de dar mais argumentos para os homens que dizem que o feminismo deve ser combatido e não abraçado. E creio que nem eu nem você queremos isso. O problema não é só o que você fala. É o contexto cultural em que você fala, que pode alterar completamente o sentido e as consequências da sua fala. Pense num comediante negro fazendo uma piada sobre o que é ser negro no Brasil. Agora pense num comediante branco fazendo essa mesma piada. Vê a diferença? Um deles está usando o humor para tecer uma crítica social, provocando reflexão. O outro está usando o humor para escarnecer da classe de pessoas que é oprimida pela classe de pessoas a que ele próprio pertence, provocando mais opressão. Um está questionando, o outro está reafirmando. Mas então como criticar? Quando criticar? A minha pergunta é: por que criticar? Por que não centrar suas críticas no machismo e no patriarcado que combatemos juntos e deixar as críticas ao movimento para as mulheres que participam dele? Garanto que sempre haverá quem as faça e que serão mais bem recebidas – e ouvidas – dessa forma. Não é uma questão de você se calar. Se quer falar, fale. Mas se a sua intenção é realmente ajudar o movimento, seria legal, antes de falar, você lembrar do peso não intencional que a sua fala tem por conta dos privilégios de que você goza como homem na nossa sociedade machista. Ainda que você não os queira, que não os tenha, pessoalmente, produzido, e busque ativamente desconstruí-los. Depois de crescer testemunhando a violência doméstica em sua casa, Patrick Stewart (o ator que interpreta o Professor Xavier do X-Men), tornou pública a sua campanha contra ela, dizendo a esse respeito que “As pessoas não te dão ouvidos ou te levam a sério a não ser que você seja um homem velho e branco; eu sou um homem velho e branco e então vou usar isso para ajudar a quem precisa”. Creio que os homens não só podem como devem se aliar ao feminismo. E que são poderosos aliados. Mas que esse poder, se não for usado com sabedoria, ao invés de ajudar, pode acabar sabotando quem mais precisa dele.