AUTISMO

Tylenol causa autismo? O que a ciência tem a dizer sobre fala de Trump

Pesquisadores e organizações de saúde se manifestaram sobre a fala do presidente dos EUA, Donald Trump, que associa o paracetamol a "riscos aumentados de autismo"; entenda

Donald Trump.Créditos: Domínio público
Escrito en SAÚDE el

Na última segunda-feira (22), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou, junto a seu secretário de Saúde e Serviços Humanos (HHS), Robert F. Kennedy Jr., duas medidas para combater aquilo que chamam de "epidemia de autismo" nos Estados Unidos.

As medidas deveriam, primeiro, atualizar o rótulo de um medicamento, a leucovorina (forma de folato), para indicar seu "uso em crianças com deficiência de folato cerebral" que apresentem "sintomas do espectro autista (TEA)". De acordo com a autoridade de saúde dos EUA, a deficiência de folato no cérebro — a vitamina B9, que atua sobre a síntese do DNA — seria uma das causas para o autismo.

É "o primeiro caminho de tratamento [medicamentoso] reconhecido pela FDA [Food and Drug Administration, agência federal de regulação do país]", disse o comunicado do governo.

O segundo também consistiria em alterar o rótulo de segurança de um medicamento amplamente usado: o Tylenol (acetaminofeno), também conhecido como paracetamol — um fármaco com propriedades analgésicas e de combate à febre usado sobretudo em crianças. Trump sugeriu que o medicamento "causa autismo" quando ingerido durante a gravidez: "Não tomem Tylenol", disse ele, enfatizando que se lute contra a medicação.

O caso repercutiu entre autoridades de saúde pública e cientistas, e fez com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) se manifestasse por meio de um comunicado nesta quarta-feira (24).

"A OMS enfatiza que não há, atualmente, nenhuma evidência científica conclusiva confirmando uma possível relação entre o autismo e o uso de paracetamol durante a gravidez", diz a organização.

Quase 62 milhões de pessoas são diagnosticadas com autismo mundialmente (1 em cada 127 pessoas), principalmente devido à melhora no diagnóstico e na produção científica da área. Mas "há muitos fatores que podem estar envolvidos", nota a OMS, que ressalta "uma base de evidências robusta e extensa" a mostrar que "vacinas também não causam autismo".

Cientistas esclarecem fala de Trump

O autismo é um transtorno do desenvolvimento caracterizado por diferenças em comunicação social, comportamentos repetitivos e padrões restritos de interesse, entre outros traços clínicos.

Sua prevalência varia ao redor do mundo, e os critérios de diagnóstico foram ampliados e refinados nas últimas décadas, o que contribuiu para aumento no número de diagnósticos. Não há uma única causa associada ao TEA: o que a ciência concorda, no entanto, é que há forte contribuição genética para a condição.

A American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) divulgou uma nota afirmando que, em mais de duas décadas de pesquisa, nenhum estudo confiável mostrou que o uso de acetaminofeno em qualquer trimestre da gravidez causa autismo ou transtornos neurológicos.

A Sociedade de Medicina Materno-Fetal (SMFM) também afirmou que o uso de acetaminofeno na gravidez não foi demonstrado como causa de autismo ou outros problemas neurocomportamentais nos filhos.

"Uma revisão completa de pesquisas existentes sugerindo uma possível ligação entre o uso de paracetamol durante a gravidez e um risco aumentado de autismo e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em crianças não foi capaz de estabelecer relação causal", explica a clínica, especializada em medicina materna-fetal, pesquisas e advocacy.

O que são relações de causalidade em pesquisas médicas?

Em pesquisas, relações causais são aquelas em que se estabelece que uma variável (causa) produz ou influencia diretamente mudanças em outra variável (efeito).

É uma relação direta entre causa e efeito entre duas variáveis, diferente, por exemplo, de uma correlação — quando duas variáveis "andam juntas", ou seja, são encontradas no mesmo cenário, mas uma não causa a outra.

Nas pesquisas que ligam o uso de paracetamol durante a gravidez a riscos aumentados de autismo, experimentos não conseguiram provar nenhuma relação de causalidade direta.

Em um estudo conduzido com 2,5 milhões de crianças suecas nascidas entre 1995 e 2019, o pesquisador Viktor H. Ahlqvist mostrou que cerca de 1,42% das crianças "expostas ao paracetamol" durante a gravidez eram autistas, em comparação com 1,33% das que não foram expostas. No entanto, além de ser uma diferença "muito pequena", o fator de correlação não seria suficiente, neste caso, para provar uma relação direta.

Uma outra pesquisa, desta vez mais conclusiva, considerava pares de irmãos nascidos da mesma mãe, um deles exposto ao medicamento durante a gravidez e o outro não. Com esse viés de comparação, se houvesse qualquer diferença entre os irmãos — cujo genoma e histórico de criação são similares —, ela deveria se relacionar à exposição ao medicamento.

"Os pesquisadores não encontraram nenhuma associação entre paracetamol e autismo usando este método", explica a Nature. Isso significa que, nos estudos anteriores, a baixa correlação encontrada entre o medicamento e o quadro de autismo pode ser explicada por "fatores de confusão" — quando uma variável interfere na interpretação da relação entre outras variáveis porque se relaciona a todas elas ao mesmo tempo.

Por exemplo: ao pesquisar se beber café poderia causar câncer de pulmão, já que "a maioria das pessoas com câncer de pulmão bebe café", o café pode ser um fator de confusão que tira o foco da atividade de fumar: quem bebe café fuma mais; quem fuma mais tem câncer de pulmão.

Uma revisão de estudos feita pela Nature em fevereiro de 2025, além disso, já havia concluído que, dentre as pesquisas de qualidade realizadas para provar a associação entre paracetamol e autismo, "não há evidências convincentes" que sugiram a relação de causalidade.

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