O modelito Pinochet 2.0 adotado por Tarcísio de Freitas (Republicanos) de uma semana para cá fez dissolver como açúcar na água a imagem de “moderado” que o governador extremista de São Paulo tentava cultivar a contragosto para se cacifar como o presidenciável da extrema direita e dos setores limpinhos, cheirosos e “civilizados” da direita tradicional orientados pelo “mercado”. Muita gente parece decepcionada com a versão cosplay de Bolsonaro do carioca que governa os paulistas, recheada de muitas ameaças à democracia, posições golpistas e radicalizadas. Mas há uma pessoa em particular que está furiosa com ele.
É o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal. Há décadas fazendo o papel institucional de ponte da mais alta instância do Judiciário nacional com os mais diversos setores políticos, Gilmar manteve nos últimos anos, desde o surgimento do bolsonarismo, uma excelente relação com Tarcísio, desde quando o atual governador ainda era ministro da Infraestrutura.
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Vendo nele uma espécie de reacionário “com modos”, inclusive pela fala mansa e suposta ponderação, o próprio ministro do STF resolveu dar corda para Tarcísio quando seu nome começou a ser ventilado como o de postulante natural a ocupar o vácuo eleitoral deixado por Bolsonaro, um previsível condenado inelegível que deve passar os próximos anos na cadeia.
O maior sinal de adesão de Gilmar Mendes a Tarcísio foi dado no meio deste ano, em plena chegada do verão europeu. O tradicionalíssimo Fórum de Lisboa, evento que está em sua 13ª edição e que teve neste ano seu apogeu em termos de importância histórica, e que é realizado pelo IDP, a faculdade privada sediada em Brasília e de propriedade do decano do Supremo, marcou para seu último dia, sexta-feira, 4 de julho, uma mesa reduzidíssima e só com dois convidados e um mediador, diferentemente das outras discussões, nas quais vários palestrantes se amontoam.
Logo às 8h, Tarcísio de Freitas e o almirante português Henrique Gouveia e Melo, separados pelo ex-ministro Raul Jungmann, tratavam um assunto meio estranho no palco do auditório principal da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa: relações de força internacionais e novos blocos militares. O encontro até pode parecer insólito para quem não acompanha o universo político em outros países, mas tudo foi realmente uma “grande sacada”.
O referido almirante luso é o pré-candidato a presidente de Portugal que deve vencer as eleições do ano que vem no pequenino país europeu, já que aparece com praticamente 70% das intenções de voto. E foi aí que entrou a jogada de Gilmar, debatida em nove de cada dez rodinhas de jornalistas que cobriam o encontro.
O ministro quis deixar registrado, inclusive em foto, “os possíveis próximos presidentes” do Brasil e de Portugal. O sinal era inequívoco, já que uma mesa forçada e reduzida fazia com que Tarcísio opinasse sem qualquer conhecimento mais aprofundado sobre geopolítica militar, em que pese o fato de ter sido oficial no Exército Brasileiro. No anúncio do debate, Gilmar se rasgava em elogios polidos e disfarçados direcionados a Tarcísio, com sorrisinhos de cumplicidade. O clima era de "candidato oficial" da elite brasileira para enfrentar o sempre demonizado Lula.
Mendes bancou Tarcísio. Do alto de seu trono no STF, deu seu ‘ok’ para o bolsonarista que teria, tacitamente, optado por uma via “moderada e civilizada” para realizar a tarefa de tirar o PT do Planalto e de quebra afastar para longe o golpismo de Bolsonaro. Era inclusive assim que ele se portava àquela altura. Desde o rompante extremista, no dia do início do julgamento de Bolsonaro e acentuado no discurso do Dia da Independência, Gilmar vem se sentindo o “bobo” que confiou demais.
Pela postagem de Gilmar Mendes após a bizarra e criminosa manifestação de ruptura institucional de Tarcísio em cima de um trio elétrico na avenida Paulista, nas comemorações do 7 de setembro, ficou claro que o magistrado mais antigo do Supremo quer vê-lo incinerado a partir de agora. Os ataques apontaram o Brasil como "uma ditadura", Alexandre de Moraes como "um tirano" e reforçaram que o sujeito que quer ser presidente da República simplesmente "não confia na Justiça", algo que ele já havia dito. Ou seja, essa é sua opinião sobre o Supremo, para não deixar dúvidas..
“No Dia da Independência, é oportuno reiterar que a verdadeira liberdade não nasce de ataques às instituições, mas do seu fortalecimento. Não há no Brasil “ditadura da toga”, tampouco ministros agindo como tiranos. O STF tem cumprido seu papel de guardião da Constituição e do Estado de Direito, impedindo retrocessos e preservando as garantias fundamentais. Se quisermos falar sobre os perigos do autoritarismo, basta recordar o passado recente de nosso país: milhares de mortos em uma pandemia, vacinas deliberadamente negligenciadas por autoridades, ameaças ao sistema eleitoral e à separação de Poderes, acampamentos diante de quartéis pedindo intervenção militar, tentativa de golpe de Estado com violência e destruição do patrimônio público, além de planos de assassinato contra autoridades da República. O que o Brasil realmente não aguenta mais são as sucessivas tentativas de golpe que, ao longo de sua história, ameaçaram a democracia e a liberdade do povo. É fundamental que se reafirme: crimes contra o Estado Democrático de Direito são insuscetíveis de perdão! Cabe às instituições puni-los com rigor e garantir que jamais se repitam”, disparou Gilmar.
Agora, pelo visto, só acompanhando a escalada golpista de Tarcísio para saber até onde ele conseguirá ir. A aposta é de que o tombo será breve, com a retirada massiva de apoio ao nome até então “moderado”. A única coisa possível de confirmar até aqui é que “a ponte” com o Supremo acabou e em breve o forasteiro governador de São Paulo pode ser ver encrencado com a Justiça, assim como seu chefe.