O almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha e réu na ação penal da tentativa de golpe de Estado liderada por Jair Bolsonaro, demonstrou alinhamento à trama golpista ao criticar um de seus colegas de farda que rejeitou a ruptura democrática.
Em interrogatório conduzido nesta terça-feira (10) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Garnier atacou o ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, por ter rejeitado frontalmente a proposta golpista apresentada em reunião com o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, em 14 de dezembro de 2022.
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“Um comandante não diz a ministro da Defesa palavras como essa”, afirmou Garnier, ao criticar a atitude de Baptista Júnior, que se retirou da reunião após constatar que o documento em discussão previa impedir a posse de Lula.
“Acho até que isso não se coaduna com a atitude de comandante de força”, completou o almirante, com desprezo explícito pela resistência do colega à conspiração.
A declaração não só expõe o alinhamento de Garnier com a proposta golpista, como também confirma a versão apresentada por Baptista Júnior e outros comandantes de que houve, de fato, uma tentativa de ruptura institucional a partir do alto comando das Forças Armadas – uma tentativa que ele próprio não repudiou na ocasião.
Assista aos depoimentos ao vivo na TV Fórum:
A reunião golpista
O episódio narrado por Garnier foi descrito em detalhes pelo próprio brigadeiro Baptista Júnior em depoimento à Polícia Federal (PF) na condição de testemunha. Segundo ele, o então ministro da Defesa apresentou uma “minuta mais abrangente” do que a que havia sido exibida por Jair Bolsonaro dias antes. A proposta previa a decretação de estado de defesa e a criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral”, com o objetivo de impedir a posse do novo presidente eleito.
Ao ouvir o conteúdo, Baptista Júnior confrontou o ministro:
“Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?”, questionou. Ao ouvir a resposta afirmativa, teria declarado: “Não admito sequer receber esse documento” – e deixou a sala.
Garnier, por sua vez, minimizou no depoimento a Moraes a gravidade da reunião e disse não se lembrar desse diálogo. Tentando se esquivar de responsabilidades, alegou que a reunião “meio que se encerrou antes de começar” e que “não viu documento”. “As pessoas estavam com aquela cara de ‘comemos e não gostamos’”, ironizou.
Mesmo assim, confirmou que Baptista Júnior foi o primeiro a sair da reunião e que a expressão do então ministro da Defesa era de contrariedade. “Acho que o ministro encerrou a reunião, tava com expressão contrariada, Freire Gomes também, e a reunião meio que acabou sozinha”, pontuou.
PF aponta Garnier como o único dos comandantes a aderir ao golpe
Segundo as investigações da PF, Garnier foi o único dos três comandantes das Forças Armadas à época a aceitar a proposta golpista, chegando a “colocar as tropas da Marinha à disposição” para sustentar a ruptura democrática.
Interpelado por Moraes durante a audiência sobre esse ponto, o almirante tentou negar as acusações.
“Isso não ocorreu”, afirmou. “O presidente não abriu a palavra para nós”, acrescentou, alegando que as falas de Bolsonaro durante outra reunião foram apenas “análises de possibilidades”.
Moraes, então, lembrou que o general Freire Gomes, do Exército, havia relatado que Garnier se colocara à disposição para a empreitada autoritária. Ainda assim, o almirante seguiu negando: “Não, senhor”.
Ao acusar o brigadeiro de não ter tido “atitude de comandante de força” por rejeitar um golpe, Almir Garnier acabou revelando que de fato, estava alinhado à trama golpista – confirmando as teses da PF e da Procuradoria-Geral da República. (PGR).
Primeiro dia
Nesta segunda-feira (9), no primeiro dia de interrogatório, foram ouvidos o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem sobre as acusações de participação na trama.
Cid confirmou que esteve presente em reunião na qual foi apresentado ao ex-presidente Jair Bolsonaro documento que previa a decretação de medidas de estado de sítio e prisão de ministros do STF.
O militar também confirmou que recebeu dinheiro do general Braga Netto para que fosse repassado ao major do Exército Rafael de Oliveira, integrante dos kids-pretos, esquadrão de elite da força.
Ramagem negou ter usado o órgão para monitorar ilegalmente a rotina de ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o governo de Jair Bolsonaro.
Interrogatórios
Até a próxima sexta-feira (13), Alexandre de Moraes vai interrogar presencialmente o ex-presidente Jair Bolsonaro, Braga Netto e mais seis réus acusados de participar do "núcleo crucial" de uma trama para impedir a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva após o resultado das eleições de 2022.
O interrogatório dos réus é uma das últimas fases da ação penal. A expectativa é de que o julgamento que vai decidir pela condenação ou absolvição do ex-presidente e dos demais réus ocorra no segundo semestre deste ano.
Em caso de condenação, as penas passam de 30 anos de prisão.