Em um ato que configura extrapolação total de competências constitucionais, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), conduz uma ofensiva diplomática paralela junto ao governo Donald Trump para que o Departamento de Estado classifique o Comando Vermelho como organização narcoterrorista. A iniciativa, que ignora completamente o Ministério das Relações Exteriores e a Polícia Federal, únicos canais legítimos para tratar de segurança transnacional, pode abrir brecha para sanções unilaterais contra instituições brasileiras e até justificar operações militares dos EUA em solo nacional, como já ocorre na Venezuela, sob o pretexto de combate ao “Tren de Aragua”, e no México, com o cartel “Los Zetas”. A confirmação de tal ação de Castro veio com o vazamento de parte do relatório enviado por ela à Casa Branca, publicado na coluna da jornalista Malu Gaspar, do diário carioca O Globo.
A ação de Castro viola o princípio constitucional de que a política externa é exclusividade da União. Governadores não possuem atribuição para negociar designações de terrorismo ou sanções internacionais que afetem a soberania do país. Fontes ligadas ao Itamaraty consultadas pela pela Fórum classificam o gesto como “grave extrapolação de competências” e alertam que a medida, se prosperar, poderia resultar no bloqueio de ativos de empresas e bancos brasileiros no exterior, além de dar respaldo legal a incursões estrangeiras em favelas ou portos sob alegação de “combate ao narcoterrorismo”.
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A estratégia fluminense ganhou corpo no início de 2025, quando uma delegação do governo estadual entregou diretamente à embaixada americana em Brasília um dossiê confidencial detalhando supostos benefícios da nova classificação. O documento foi elaborado sem qualquer consulta ao governo federal, que se posiciona contrariamente à ideia. Autoridades do Palácio do Planalto temem que a designação transforme o Brasil em alvo de sanções secundárias, a exemplo do que ocorre com o Irã, caso Washington entenda que o país não coopera suficientemente no combate ao crime organizado.
A resistência do governo Lula é justificada pelo risco de precedentes perigosos: a inclusão de cidadãos ou instituições brasileiras em listas americanas sem devido processo, como já ocorreu com o ministro Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky. Integrantes da equipe presidencial avaliam que a pressão de Castro representa “irresponsabilidade institucional” e pode comprometer a autonomia nacional em nome de uma agenda política alinhada a setores bolsonaristas.
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A ofensiva ganhou novo fôlego após a megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, na semana passada, e com a chegada ao Congresso do Projeto de Lei Antifacção enviado pelo Planalto. Governadores de direita articulam a inclusão de emenda que endosse a classificação terrorista, contornando o veto federal. Enquanto isso, Castro intensifica contatos diretos com agências americanas: em maio, recebeu no Rio o assessor do Departamento de Estado David Gamble para discutir sanções, em reunião boicotada pela PF; dias depois, viajou ao escritório da DEA em Nova York em busca de acordos de cooperação que, pela legislação vigente, só podem ser firmados via Polícia Federal.
A escalada expõe o uso político da segurança pública em detrimento da soberania. Ao agir à margem das instituições federais, Castro assume o risco de transformar o combate ao crime organizado em pretexto para intervenção estrangeira – um gesto que, para analistas constitucionais, configura traição aos interesses nacionais.
Veja os trechos do relatório, publicados em O Globo, enviado por Cláudio Castro à Casa Branca:
“Crescente sofisticação, transnacionalidade e brutalidade do Comando Vermelho colocam esta organização dentro dos critérios estabelecidos pelas autoridades dos EUA para sanções econômicas, designações terroristas e bloqueio de ativos.”
“A designação como organização terrorista facilitaria pedidos de extradição de chefes do CV refugiados em países como Paraguai e Polícia”, “abriria caminho para parcerias com Interpol, DEA, FBI e ONU no combate às redes de trafico e armamento pesado” e “ampliaria o alcance de sanções para empresas de fachada e aliados econômicos do CV no exterior.”