Vale do Silício no front: Militarização da tecnologia ameaça privacidade mundial
Mas como garantir que líderes de empresas que coletam dados de bilhões de usuários não cruzem a linha entre interesses privados e militares
No sistema nervoso do Vale do Silício, a inovação tecnológica dita o ritmo do mundo. Mas uma transformação silenciosa está em curso. Em 13 de junho de 2025, o Pentágono nomeou quatro gigantes da tecnologia — Shyam Sankar (Palantir), Andrew Bosworth (Meta), Kevin Weil (OpenAI) e Bob McGrew (ex-OpenAI) — como tenentes-coronéis da Reserva do Exército dos EUA.
A cerimônia, discreta, marcou o nascimento do Destacamento 201. Essa unidade militar integra CEOs e CTOs diretamente na estratégia de defesa americana. Documentos do Departamento de Defesa e reportagens do The Guardian confirmam a iniciativa. As Big Techs não apenas fornecem ferramentas ao governo — agora, seus líderes comandam operações.
Enquanto isso, a disputa pelo TikTok entre EUA e China expõe um paradoxo. Ambos os países buscam dominar a tecnologia, mas temem o poder do outro sobre dados e influência global.
Tecnologia como arma é a nova fronteira
O Destacamento 201 é inspirado no Projeto Manhattan, que mobilizou cientistas para criar a bomba atômica. Brynt Parmeter, chefe de talentos do Pentágono, defendeu a iniciativa em entrevista ao Sociedade Militar (02/07/2025). Segundo ele, o objetivo é “integrar mentes brilhantes sem arrancá-las do setor privado”.
Os novos oficiais estão dispensados do treinamento militar convencional. Eles cumprirão 120 horas anuais de instrução remota. O foco? Inteligência artificial (IA), guerra cibernética e análise de dados. Empresas como a Palantir já lucram US$ 759 milhões em contratos militares, conforme o Brennan Center for Justice (2024).
Um memorando interno do Exército, obtido pelo The Guardian, detalha a missão: “Modernizar a máquina de guerra na era dos conflitos digitais”. O texto cita os executivos nomeados e justifica a ausência de treinamento padrão. “Sua expertise é um ativo estratégico imediato”, diz o documento.
Mas como garantir que líderes de empresas que coletam dados de bilhões de usuários não cruzem a linha entre interesses privados e militares?
Muito além do TikTok
Os EUA travam uma guerra paralela contra a influência tecnológica chinesa. O TikTok, controlado pela ByteDance, está no centro do conflito. Desde 2020, Washington pressiona a empresa a vender a plataforma para uma companhia não chinesa.
O objetivo, segundo o Departamento de Justiça (2024), é proteger a segurança nacional. A preocupação é que o Partido Comunista Chinês (PCC) acesse dados de 170 milhões de usuários americanos. Ou que manipule algoritmos para influenciar opiniões públicas. O Council on Foreign Relations (2023) alerta que o TikTok poderia ser usado para desinformação ou espionagem. Leis chinesas obrigam empresas a compartilhar dados com o governo, o que amplifica esses temores.
A pressão resultou na Protecting Americans from Foreign Adversary Controlled Applications Act (março de 2024). A lei exige a venda do TikTok ou sua proibição nos EUA. A China, por sua vez, nomeia generais e oficiais do Exército Popular de Libertação para conselhos de empresas como ByteDance, Tencent e Alibaba.
Um relatório do Brookings Institution (2024) destaca esse controle estatal. Assim, os EUA militarizam suas Big Techs para fortalecer a defesa, enquanto tentam impedir que a China faça o mesmo. É uma competição global pelo domínio tecnológico.
Os riscos do complexo militar-digital
A integração de executivos tecnológicos ao Exército é mais que uma resposta à China. É um sintoma de uma transformação profunda. O Brennan Center for Justice alerta para o complexo militar-digital. Nele, os limites entre dados civis e militares se dissolvem.
A OpenAI, que em 2023 proibiu aplicações militares de sua IA, agora tem um contrato de US$ 200 milhões com a startup de defesa Anduril. Kevin Weil, seu diretor de produto, assessora o Pentágono. Um vazamento do Midas Project revelou que IAs treinadas com dados do Instagram e ChatGPT são adaptadas para vigilância militar. Isso gera temores sobre privacidade.
O nome Destacamento 201 também é polêmico. Oficialmente, remete ao código HTTP 201 (“recurso criado”). Mas especulações ligam o termo ao Evento 201, simulação de pandemia da Fundação Gates em 2019. O Pentágono nega a conexão. Ainda assim, a coincidência alimenta teorias sobre uma aliança tech-militar opaca.
Dados civis como munição colocam em xeque a ética
A militarização das Big Techs ameaça a privacidade. Bilhões de usuários alimentam plataformas com fotos, localizações e opiniões. Muitos não imaginam que esses dados podem ser usados em operações de inteligência.
Elke Schwarz, da Queen Mary University, escreveu no The Guardian (15/06/2025): “Quando executivos de tecnologia assumem papéis militares, os dados civis tornam-se indistintos dos alvos estratégicos”. O que acontece quando a IA que recomenda vídeos no TikTok passa a identificar “padrões suspeitos” para drones autônomos?
Essa realidade não é ficção científica. A Diretiva 12.5/2025 do Pentágono autoriza o uso de dados civis em “operações de alta tecnologia”. A falta de transparência e regulamentação levanta uma questão: quem fiscaliza os fiscais?
Uma guerra sem fronteiras
A disputa pelo TikTok e o Destacamento 201 são faces da mesma moeda. A tecnologia é o campo de batalha do século XXI. Os EUA temem a influência chinesa sobre dados americanos. A China vê a militarização das Big Techs ocidentais como uma ameaça à sua soberania digital.
Essa corrida armamentista tecnológica não é só sobre inovação. É sobre quem controla narrativas, dados e poder global. O futuro da privacidade e da democracia depende de como governos e empresas navegarão essa realidade.
O cidadão comum, cujos dados alimentam essa guerra, está cada vez mais vulnerável. É urgente exigir transparência e limites éticos. Caso contrário, o complexo militar-digital redesenhará o mundo à sua imagem.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.