TRANSFORMAÇÃO

Ou mudamos a Constituição ou o Brasil vai pro brejo!

Diz um velho ditado: mudam as moscas, a merda é a mesma, no caso de mudanças que não mudam nada. Há casos que nem mudam tanto as moscas, elas só fazem rodízio

Ou mudamos a Constituição ou o Brasil vai pro brejo!.Créditos: Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

Diz um velho ditado: mudam as moscas, a merda é a mesma, no caso de mudanças que não mudam nada. Há casos que nem mudam tanto as moscas, elas só fazem rodízio. 


Não querendo chamar de merda o Congresso Nacional, e nem de moscas os seus membros (uma boa parte seria mais comparável a chupins ou sanguessugas), torço o nariz para a composição das novas mesas diretoras (que nome!) do Senado e da Câmara dos Deputados, eleitas com apoio variado, de petistas a bolsonaristas. Davi Alcolumbre substituindo Rodrigo Pacheco, muda pra melhor? Ra-ra-ra... Hugo Motta presidente da Câmara dos Deputados, substituindo o não saudoso (como antecessor) Arthur Lira. O uso de verbas federais por esses deputados em suas “bases” diz tudo, não é?


Bolsonaristas têm um motivo óbvio para esse apoio: o Congresso está do jeito que eles gostam. Eu me lembro da época da Constituinte um grupo de amigos e eu discutíamos o que a gente gostaria que a nova Constituição tivesse, e quiseram me candidatar a deputado federal. Eu não tinha chance de ser eleito, mas e se desse uma zebra? Refuguei! Expliquei que numa eleição tem duas coisas ruins: uma é perder, a outra é ganhar. Perder é chato. Mas e se ganhasse? Teria que conviver com um monte de gente que eu achava escrota. Claro, teria os bons, mas muitos eram gente que eu nem cumprimentaria, e para aprovar qualquer coisa teria que conviver amigavelmente com eles. 


Hoje... que saudade! Aquela Câmara de Deputados! Minha lembrança, comparando com a grande maioria dos deputados atuais, é de uma turma excelente, muitos comprometidos com a criação de condições para o Brasil funcionar bem e crescer. E a Câmara era presidida por Ulysses Guimarães, que na época eu não achava ruim nem bom, e hoje acho incomparável com os últimos presidentes. Um excelente presidente da Câmara.


E os petistas, porque fazem parte disso tudo? Supondo que sejam melhores do que a maioria dali, tem a tal de governabilidade. Em nome dela, a ética vai pro brejo. Se não tiver apoio do Congresso, não se governa. Que o diga Dilma Roussef. Então acham (e parece que é) melhor tapar o nariz e se juntar à matilha.


Um parêntese aqui: isso é coisa antiga. Saturnino Braga, um dos políticos mais decentes que o Brasil já teve, foi eleito prefeito do Rio de Janeiro pelo PDT e tomou posse em 1º de janeiro de 1986 (foi pro PSB em 87), prometendo não aceitar nenhuma forma de corrupção, e cumpriu. Nada de propinas, de superfaturamentos e de licitações fraudulentas. Resultado: não conseguiu fazer nada, foi considerado o “pior prefeito” da cidade. Millôr Fernandes comentou mais ou menos assim: “Saturnino Braga representa a falência da ética”.


Bom, o que quero dizer é que do jeito que está, o Brasil está ingovernável por quem quer que seja, de qualquer partido. O toma lá-dá cá, que sempre funcionou na política brasileira, piorou: a grande maioria dos deputados e senadores só quer o “dá cá”, abandonaram o “toma lá”. O Legislativo mudou, não é mais pra legislar, quer tomar o papel do Executivo de forma piorada, com “direito” de usar o orçamento do governo à larga, sem ter que prestar conta. E aí vemos o que acontece com as emendas deles despejando dinheiro como querem: asfalto que se esboroa nas mãos, obras superfaturadas e inacabadas, dinheiro que não se sabe para onde vai. Claro que alguns destinam dinheiro para obras de verdade, que são executadas, mas mesmo nestes casos não é função deles, que, conforme diz o nome, é “legislar”. 


Tem solução?


Alguém acha que o Congresso, com seus novos dirigentes, vai mudar isso? Topam regular as tetas que abocanharam? Ra-ra-ra... 
A gente sabe que um país sem um poder Legislativo não é democrático. É ditadura ou qualquer coisa parecida. Se quisermos ser democratas, temos que defender a existência desse poder. Mas está difícil. Pela forma que funciona, muitos deles (e também do Executivo) são eleitos como se fossem “antissistema”, quer dizer, contra essa meleca toda. Mas são os que mais se esbaldam no “sistema”. Tá aí a família bozo pra corroborar. É preciso mudar, concordam?


Nenhuma mudança virá “de dentro” do Congresso. Por isso, acho que deveria ser criada uma nova Assembleia Constituinte, ou pelo menos uma Assembleia para regular certas leis e o funcionamento dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.


Mas se for eleita uma nova Constituinte normalmente, ela provavelmente será composta pelos mesmos membros do Congresso que, pensando no seu próprio futuro, manteriam seus privilégios, o direito de mamar, de trabalhar pouco ou nada, de se lixar para a governabilidade. Poderiam continuar criando partidos sem programa, quer dizer, tendo como programa sugar o que podem dos cofres públicos, condicionando o apoio ou rejeição a projetos de lei ao recebimento de muito dinheiro e muitos cargos. 


Então, resumindo, acho que a nova Assembleia Constituinte ou coisa assemelhada deve exigir dos seus membros um compromisso (previsto em lei) de não se candidatarem a nada no futuro. Assim, poderão, se quiserem, criar um sistema de governo com os três poderes funcionando e dificultando a mamata, até tornando não atraente a candidatura por sanguessugas e chupins. Se não puderem se esbaldar, por que quereriam ser parlamentares, presidentes, governadores ou prefeitos? E também, se não for para ter salários absurdos e muitos privilégios, por que quereriam ocupar altos cargos no Judiciário? Quer dizer, nem tão altos, há juízes que deitam e rolam. 


Eu proponho...


A Constituinte ou assemelhada, composta por representantes de vários setores da sociedade, teria no máximo uns seis meses para soltar a nova Constituição e algumas regras de decência, para ser votada em plebiscito. É tempo suficiente.


Pode dedicar metade do tempo para ouvir o povo e o restante para decidir, inclusive maneirando certas coisas, pois, do jeito que está, boa parte do povo segue uma linha do “que se foda” e pode dar uma de “liberou geral”, pois vemos aproveitadores se dando bem, com apoio popular. 


Se eu for ouvido, darei meus palpites, incluindo algumas coisinhas que não precisam ser parte da Constituição, mas de uma espécie de regulamento. E antecipo aqui.


Número de assessores por parlamentar: 


Em 1855, o deputado Pereira da Silva achava exagerado o número de 95 funcionários para uma Câmara Federal de 103 deputados. Hoje, são dezenas e dezenas de funcionários por parlamentar. E os presidentes da Câmara e do Senado, então, vixe! Põe funcionários nisso. Para quê? Na verdade, boa parte é para agradar líderes locais do seu eleitorado. Uma despesa enorme e desnecessária. Acredito que em seu gabinete bastam um secretário (vou usar tudo no masculino, mas vale para qualquer gênero), um ou dois assessores, um faz-tudo e talvez um motorista (se for para manter um carro para cada um). E na sua “base”, basta um funcionário para atender não só seus eleitores, mas também o público em geral, interessado em propor projetos de lei, etc., e não para pedir favores. 


Eu me lembro que em 1983, pela primeira vez foi eleito um governador (no caso, em São Paulo) pelo voto direto, e o vencedor foi Franco Montoro. E na Assembleia Legislativa, o MDB fez maioria, o PT elegeu vários deputados etc. O PDS, ex-Arena, foi minoria. Correu um boato que os funcionários fantasmas da Assembleia Legislativa seriam todos demitidos. No dia da posse dos novos deputados estaduais, a Assembleia ficou lotada, saindo gente pelo ladrão... Eram tantos funcionários que não cabiam lá. Mas não houve a tal demissão dos fantasmas e tudo se acomodou. 


Na época, fui contratado como assessor parlamentar pelo deputado Sérgio Santos, do PT, partido que mantinha funcionários trabalhando de verdade. No gabinete dele, se me lembro bem, tinha uma secretária, dois assessores (um deles, eu, com várias funções, inclusive a de escrever discursos e projetos de lei), e um motorista. Depois de uns poucos meses lá, não aguentei mais. Pedi demissão. Não por excesso de trabalho, mas por achar que o que fazia não tinha sentido. Ganhava bem pra fazer um trabalho que achava inútil. O Poder Legislativo tinha (e tem, mais ainda agora) um funcionamento de Executivo, em que o presidente decide o que entra ou não em votação. Não adianta propor leis boas, o presidente punha em votação só as de seu interesse. E eu pensava que os projetos entravam na pauta em ordem cronológica. Nada disso! Esta é uma questão que precisa ser resolvida.


Salários e carga horária: 


Quando tem reajuste do salário mínimo e das aposentadorias, muitos parlamentares acham que é demais. Salário mínimo de pouco mais de R$ 1.500,00 por mês, acham que dá para manter uma família de trabalhadores. Por que para eles deve ser mais de R$ 50 mil? Dez salários mínimos não são suficientes? Isso vale também para o poder Judiciário (como tem abusos nele) e até para ministros que, para aumentar suas rendas, são nomeados para o Conselho de empresas estatais ou instituições e ganham uma grana para fazer uma reunião por mês.


E acham também, concordando com os piores patrões do Brasil, que a escala de seis dias de trabalho por semana e um de folga está bom demais, não querem dar mais tempo para folgar, estudar, se divertir, criar, praticar o que quer que seja. Mas eles mesmos trabalham, se é que trabalham mesmo, três dias por semana, de terça a quinta-feira. E ainda faltam muito, sempre ou quase sempre recebendo o salário integral, como faltas justificadas. 


Mordomias: 


Fora os muitos funcionários para fazerem inclusive trabalhos que não têm nada a ver com funções parlamentares, eles têm auxílio moradia, “auxílio paletó”, passagens de avião, carros com motorista pago pelos cofres públicos e combustível à vontade... 
O auxílio moradia, acredito que começou com a mudança da capital do Rio para Brasília. Para incentivar não só parlamentares, mas também funcionários dos ministérios a irem para Brasília, o governo Juscelino construiu prédios e mais prédios com “apartamentos funcionais” para eles morarem de graça. Bons apartamentos, grandes. Parece que o número de apartamentos foi ficando insuficiente e passaram a dar uma verba para parlamentares se hospedarem em hotéis. Uma grana boa. Mas mesmo alguns que compraram casas ou apartamentos em Brasília continuaram recebendo, como foi o caso do bozo, que questionado por uma jornalista porque continuava recebendo auxílio moradia se tinha um imóvel próprio em Brasília, e respondeu: “Para comer gente”. 


O mínimo que se dever fazer nestes casos é limitar o valor. Quando o Congresso era no Rio de Janeiro, muitos deputados e senadores moravam em pensões. Isso mesmo! E iam para o Congresso de bonde. Tinham contato com o povo. Aliás, a Câmara e o Senado eram em lugares acessíveis, muita gente que estava à toa por ali ia às sessões assistir aos debates. Vereadores, mesma coisa. 


Falando em ir de bonde para o trabalho, eles têm hoje direito a carro com motorista e verba para combustível que parece ilimitável, alguns parecem ter uma frota de mil veículos em Brasília e em suas bases eleitorais. Apresentam notas de gasolina suficientes pra abastecer duzentos carros. Isso é necessário?


Passagens aéreas: ida e volta para “as bases”, acho que devem se limitar a duas vezes por mês. E deveriam ser válidas para sexta à noite ou sábado de manhã para ida e domingo à noite para volta.  Chega de “trabalhar” (mas nem tanto) só de terças a quintas. 


Voto contra 


Esta é uma questão que venho defendendo há anos, acho que já publiquei alguma coisa sobre isso aqui mesmo. Não sei. 
Hoje existem o voto num candidato, o voto em branco e o nulo. Minha proposta é a criação do voto contra. As alternativas deveriam incluir o voto contra alguém. Vejamos um exemplo prático. Começo pelos candidatos a presidente. 


Se no primeiro turno o candidato A tiver 40 milhões de votos a favor e 15 milhões contra, fazemos a subtração e ele fica com 25 milhões de votos válidos. Se o candidato B tiver 35 milhões de votos a favor e 5 milhões de votos contra, ele fica com 30 milhões de votos. E o candidato C, se tiver 30 milhões de votos a favor e dois milhões de votos contra, fica com 28 milhões de votos. 
Então, iriam para o segundo turno o candidato B, que ficou com um saldo de 30 milhões de votos, e o candidato C, com 28 milhões. O candidato A, mesmo tendo tido mais votos a favor, ficaria de fora, porque seu saldo foi de 25 milhões de votos, é menor que os outros dois. Sinal que não gostamos dele. 


No segundo turno, mesma coisa. Nosso voto poderia ser a favor ou contra um candidato. Se um deles tiver 50 milhões a favor e 30 contra, fica um saldo de 20 milhões de votos.  Se o outro tiver 30 milhões de votos a favor e 5 milhões contra, ainda lhe sobram 25 milhões, então ganha do outro que teve mais votos a favor, mas muito mais votos contra. Isso facilitaria, por exemplo, para o caso de irem para o segundo turno um candidato que a gente não quer votar e outro que a gente odeia, do tipo que dizemos: “Ele não!”. Votamos contra esse maldito, diminuindo o saldo dele. 


Na prática o resultado seria o mesmo, mas com uma diferença: o eleito saberia muito bem que a gente votou contra o outro e não nele. Assim, não poderia ficar batendo no peito dizendo que venceu as eleições. Saberia que é ruim, só que o outro é pior. Não ganhou, o outro é que perdeu. 


O voto contra valeria também pro Legislativo, a gente poderia votar contra um candidato específico ou um partido. Se o tal partido tiver, por exemplo, um milhão de votos a favor e trezentos mil contra, teria setecentos mil votos válidos.


Voto impresso ou eletrônico? 


Esse negócio de voto impresso é uma desculpa em que só o gado desmiolado acredita. Se o sistema atual fosse voto impresso, o inominável ia falar que só aceitaria o resultado se as urnas fossem eletrônicas. 


Mas o voto em papel tem uma vantagem, ao meu ver: possibilidade de protestar. Votar nulo pode ser um protesto mas se for só clicar nulo na urna ou por um x no voto impresso não basta. Acho que a gente tem o direito de xingar, escrever as causas do voto nulo. 


Isso poderia ser resolvido no voto eletrônico se a urna tivesse um teclado pra gente escrever “vão todos à PQP. Só tem candidato ruim!” ou o que quer que seja, não?


Bom, estas são algumas propostas, teria outras, e acredito que cada um tem muito mais. Que pensem nisso.
Só tem uma dificuldade: quem convocaria essa nova Constituinte? Os parlamentares que não querem “largar o osso” é que não, né?

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar