Reminiscências

O impossível acontece: que azar! – Por Mouzar Benedito

Um calo que virou fratura, o “morto” que levanta e o azarado; casos curiosos recolhidos pelo autor

Escrito en Opinião el
Mineiro de Nova Resende, é geógrafo, jornalista e também sócio fundador da Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci).
O impossível acontece: que azar! – Por Mouzar Benedito
Imagem Ilustrativa. Freepik

Foi tirar um calo no hospital e saiu dias depois todo engessado! Esta notícia parece invenção, mas foi publicada nos jornais nos anos 1960, em São Paulo, eu li. Hoje em dia, é raro ter calo nos dedos dos pés, acho que a indústria de sapatos melhorou muito. Antes, sapatos pareciam mais duros e as fôrmas em que eram feitas não eram lá muito boas, os sapatos costumavam ser apertados e o couro era duro. O resultado, repito, eram calos, às vezes bem incômodos.

Um sujeito tinha um calo que o incomodava muito, doía, e resolveu fazer uma pequena cirurgia pra tirar o dito-cujo. Como era todo cheio de fricotes, cuidados e exigências, decidiu que tinha que ser num hospital, não numa clínica comum. E o médico aceitou essa exigência.

Não me lembro se exigiu anestesia geral, mas sei que teve um choque anafilático e, por isso, precisou ser levado para um lugar semelhante ao que é hoje a UTI – Unidade de Tratamento Intensivo. Na época não existia isso,

Um problema: o lugar para tratar disso era um andar abaixo do que estava, e o levaram rapidamente na maca, mas quando o sujeito está azarado tudo pode acontecer (tem aquele ditado antigo: urubu, quando está caipora, o de baixo caga no de cima), e aconteceu: acabou a luz. Tiveram que levar o sujeito pela escada. E mais uma vez o azar: um dos ajudantes de enfermagem que o levavam perdeu o equilíbrio, caiu na escada e ele rolou escada abaixo. Quebrou um braço, uma perna e algumas costelas.

Enfim, foi tirar um simples calo e saiu do hospital dias depois, mas para se tratar em casa durante meses, todo engessado... e com o calo.

Bom... O segundo caso eu li numa coluna da revista “O Cruzeiro”, chamada “O impossível acontece”. Contaram nela a história de um fazendeiro de Governador Valadares que estava em Belo Horizonte, também lá pelos anos 1960, e morreu de repente.

Na época não havia estrada asfaltada da capital mineira a Governador Valadares, era uma estradinha de terra bem ruim. Levar o defunto por terra ia demorar muito. Como o fazendeiro era de família rica, resolveram mandar por via aérea. Fretaram um avião com espaço suficiente para colocar o caixão atrás do piloto e o mandaram para lá. Segundo a tal matéria, só foram no avião o piloto e o defunto.

Faltando pouco para chegar ao seu destino, o piloto escutou alguma coisa atrás dele, e a coisa pode ter sido uma surpresa boa, mas não para ele: o defunto se levantou do caixão. Se o dito-cujo estava com a tampa solta, não contaram, só relataram que de repente o defunto se “levantou”. Quer dizer, sentou no caixão. Imagine a situação do piloto! Se fosse num carro fúnebre ou coisa do tipo, brecaria o veículo e sairia correndo, mas num avião?! Ficou em estado de choque, e com muito custo conseguiu pousar a aeronave onde era esperado.

Os parentes do fazendeiro, que esperavam seu defunto, receberam um homem bem vivo e alegre e foram para casa festejar, enquanto o piloto foi conduzido a um hospital, em estado de pânico.

Outra história que li também na época ou pouco antes, não me lembro onde. Pode ter sido na própria coluna citada da revista “O Cruzeiro”, num almanaque do Biotônico Fontoura ou publicação afim.

Um sujeito resolveu se suicidar e pensou em várias alternativas: enforcar-se, beber veneno, pular num rio caudaloso que tinha ali perto (ele não saiba nadar) ou dar um tiro no ouvido. Decidiu juntar todas as alternativas, para não falhar.

Preparou a forca para colocar num galho de árvore que se estendia em cima do rio, a alguns metros da margem. Se a forca falhasse e caísse no rio, que era fundo, morreria afogado. Para garantir mais, pensou que poderia não cair, ficar pendurado esperneando, pois “sabia” que às vezes a forca não “pega” no lugar certo do pescoço, e pode até quebrar o pescoço (imaginava ele) mas não mata, ou demora muito pra matar, causa muito sofrimento. Então, se isso acontecesse, ele tomaria um veneno, que levou pronto para beber numa garrafinha no bolso. E, por vias das dúvidas, levou também o revólver 32, para dar um tiro no ouvido caso optasse por isso.

Enfim, caminhou sentado pelo galho grosso da árvore até um ponto que achou que estava bom, amarrou a corda no galho, pôs a forca no pescoço e se soltou... e como previu que podia acontecer, a forca não pegou no “lugar certo”, começou a estrebuchar ali, então pegou a garrafinha com o veneno e bebeu... quer dizer, tentou beber. A forca não o matou, mas fechou a garganta e o veneno não desceu. Aí teve a alternativa do revólver, que puxou desesperado da cinta, para dar um tiro no ouvido. Mas do jeito que estrebuchava, chacoalhando, em vez de dar um tiro no ouvido, acertou na corda, acima da cabeça. A corda se rompeu, ele caiu no rio, a água se encarregou de lavar o veneno que tinha na boca, mas ele ia se afogar... se não fosse um pescador que passava ali perto de canoa e o salvou. Ficou bem estropiado, mas não morreu.

Epa! Ia parar por aqui, mas me lembrei de um colega de trabalho que tinha mania de azarado. Não era azarado, só tinha mania. Conto só uma das vezes em que mostrou isso, e não vou dar seu nome, digamos que se chamava Libório.

A gente trabalhava no interior paulista e um dia marcamos um encontro de avaliação e planejamento em Itapira. Éramos onze colegas, todos homens. Chegamos a um hotel por volta do meio-dia, para deixar a bagagem e ir almoçar em seguida. Queríamos onze quartos, mas o proprietário chiou: “Se der um quarto pra cada um, não sobra nenhum pra outros clientes que devem chegar hoje. Tenho um apartamento muito bom, com três quartos e três banheiros, com quatro camas em cada, doze no total. Se vocês toparem ficar nele, o preço cai pra menos que a metade e dou nota fiscal no valor de um quarto individual para cada”.

Topamos, mas o Libório queria ver o quarto, que ficava no segundo andar. Nós deixamos a bagagem na portaria, para ser levada pra cima e ele subiu com um funcionário, levando a sua bagagem para deixar na cama que escolheria. Passaram-se uns dez minutos e ele não voltava, começamos a ficar incomodados. “Será que ele tá transando com o funcionário?”, brincou um colega. Mais cinco minutos, decidi ir ver o que estava acontecendo. Um colega foi comigo.

Entramos no apartamento e o Libório reclamava sem parar para o funcionário que estava pasmo: “Justo a minha cama tá quebrada, justo a minha, justo a minha...”, repetia sem parar. Tinha doze camas pra ele escolher, e escolheu a quebrada!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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