Sete anos de união e então o adeus. Uma despedida contemporânea, com mensagem na rede social. Curtidas. Compartilhamentos. Fotos. Nada de mágoas.
Não, não foi a crise dos sete anos que deu fim à parceria. Poucos se entenderam tão bem como Francisca e Everaldo. Os dois sempre juntos pelos mesmos caminhos. Sem desvios, sem atalhos.
Ele ao volante, ela na catraca. Motorista e cobradora. A bordo do 7245, do cemitério da Consolação ao Terminal Santo Amaro, dispensavam as palavras. Everaldo mirava Francisca pelo retrovisor e ela batia de leve com a chave naquela barra em que os passageiros se seguram. Códigos que só os dois sabiam decifrar.
No ponto final, os dois se revezavam. Quem precisava fazer xixi ou beber café ia à padaria a 50 metros de distância.
O outro tomava conta do ônibus, recolhia papel ou qualquer sujeira deixada pra trás e conferia se algum guarda-chuva ou pacote tinha sido esquecido.
Então, o motor roncava para mais uma das 3 viagens de ida e volta. Mais ou menos, 100 km por dia.
Como os horários eram sempre os mesmos, a freguesia também se repetia. Das avenidas ricas aos bairros esquecidos, Francisca recebia as diaristas, o cozinheiro, o bêbado e também a doutora Lúcia, que embarcava perfumada logo no primeiro ponto e sentava na janela. A jornalista da TV Globo descia na avenida Berrini, a Doralice ficava no shopping, o eletricista Helvécio no ponto final.
Francisca sabia a parada de cada um e muitas vezes despertava quem adormecia. Era certo: com ela ninguém perdia o ponto.
Inimigo dos solavancos, Everaldo nos conduzia suavemente pela cidade e o gigante de lata e vidro ganhava leveza. A voz pausada e firme de Francisca era a trilha sonora.
“Este é o ponto do Hospital das Clínicas”. “Última parada da Faria Lima.” “Quem quiser pegar a linha amarela do metrô tem que descer no próximo.”
A despedida também era promessa para quem deixava o busão: “Bom dia e até amanhã.”
Então, naquela sexta-feira de setembro, ela não voltou. Começava ali a nova vida de Francisca
Pelo celular, uma avalanche de mensagens. Eram os amigos de viagem já avisados do seu pedido de demissão:
- Fiquei sem meu bom dia!
- Como vai ser daqui pra frente?
- Chiquinha, você é a melhor do Brasil.
Na mesma sexta-feira, as surpresas: Francisca ganhou café da manhã especial com bolo e sanduíche na garagem. Uma colega levou microfone e cantou pra ela. Teve discurso, homenagem da chefia e assinatura da papelada na presença do advogado da empresa. Por último, o abraço no amigo de tantas jornadas.
Uma trabalhadora aposentada, de 62 anos, e bem disposta para outra aventura, talvez a mais desafiadora: Francisca vai morar em Juazeiro, norte da Bahia, bem perto do rio São Francisco.
A casa simples, que levantou com as economias de mais de 30 anos de trabalho, 21 deles na catraca, espera por ela.
A 2.200 km de São Paulo, a bela Chica e o velho Chico, enfim vão se reencontrar.
Agradeço à Francisca e ao Everaldo pelas boas viagens que fizemos juntos.
* Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.