MATERNIDADE GERIÁTRICA

A mulher de 68 anos que enganou um juiz para ter mais dois bebês

MaryBeth Lewis, mãe de 13 filhos, falsificou a assinatura do marido para realizar uma fertilização in vitro com barriga de aluguel — e agora enfrenta 30 acusações criminais e uma batalha judicial pela guarda dos gêmeos

A mulher de 68 anos que enganou um juiz para ter mais dois bebês.MaryBeth Lewis, mãe de 13 filhos, falsificou a assinatura do marido para realizar uma fertilização in vitro com barriga de aluguel — e agora enfrenta 30 acusações criminais e uma batalha judicial pela guarda dos gêmeosCréditos: Ilustração criada por IA e Canva
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MaryBeth Lewis, de 68 anos, moradora da região de Buffalo, no estado de Nova York (EUA) é mãe de 13 filhos — muitos deles concebidos por fertilização in vitro (FIV). Em 2023, ela decidiu ter mais dois bebês por meio de uma barriga de aluguel, utilizando embriões de doadores. Nenhum dos embriões tinha vínculo genético com ela nem com o marido, Bob Lewis.

O que parecia ser mais um capítulo incomum de uma grande família se transformou em um escândalo nacional. Segundo o The New York Times, MaryBeth forjou a assinatura do marido e enganou uma clínica de FIV e um juiz para conseguir uma ordem judicial de filiação, documento que transfere a parentalidade da gestante substituta para os chamados “pais pretendidos” — uma exigência legal em Nova York.

Quando a maternidade vira caso de polícia

Os gêmeos nasceram em novembro de 2023, mas um hospital rural impediu que MaryBeth tivesse contato com eles. O caso rapidamente foi parar na Justiça. A Promotoria do condado de Steuben apresentou 30 acusações criminais contra ela, incluindo falsidade ideológica, perjúrio e tentativa de sequestro.

Enquanto isso, os bebês foram encaminhados para uma família acolhedora (foster care), onde permanecem até hoje. MaryBeth, que perdeu o emprego e enfrenta restrições judiciais — incluindo a proibição de frequentar a escola dos filhos mais novos —, tenta agora evitar uma pena de prisão.

Ao longo dos últimos dois anos, ela afirma ter gasto mais de US$ 500 mil em advogados e processos judiciais na tentativa de provar sua inocência e recuperar a guarda dos gêmeos, que considera seus 14º e 15º filhos.

A disputa pela guarda e o dilema legal

O processo se desdobrou em duas frentes: uma criminal e outra cível. Na esfera cível, o principal debate é quem deve ser reconhecido como responsável legal pelas crianças. Em outubro passado, um novo juiz reconheceu MaryBeth e Bob Lewis como pais legais, mas a transferência dos bebês foi suspensa temporariamente após recursos de advogados e do sistema de proteção infantil.

O impasse levantou uma questão delicada e atual: quem é, de fato, a mãe? Na legislação de Nova York, a maternidade pode ser definida de três formas — genética (quem doa o óvulo), gestacional (quem carrega a gravidez) ou intencional (quem planeja e assume a parentalidade).

No caso de MaryBeth, o tribunal considerou válida a parentalidade por intenção, desde que seja comprovado o melhor interesse das crianças.

Maternidade que desafia o tempo — e a medicina

MaryBeth Lewis foi mãe em praticamente todas as etapas da vida adulta, desafiando os limites biológicos e sociais da maternidade. Teve o primeiro filho aos 25 anos e, em sequência, deu à luz cinco filhas biológicas.

Na faixa dos 40 anos, já enfrentando o “ninho vazio”, decidiu recorrer à fertilização in vitro (FIV) e voltou a ser mãe: teve gêmeas aos 49 anos e, três anos depois, mais uma filha aos 52.

Aos 55 anos, engravidou novamente por FIV e teve gêmeos meninos, e aos 59, deu à luz outro par de gêmeos, chegando a 12 filhos. Mesmo assim, não parou. Aos 62 anos, teve sua 13ª filha, também por FIV.

Em 2023, aos 66 anos, decidiu realizar um novo sonho de maternidade e encomendou dois bebês por barriga de aluguel, usando embriões de doadores — decisão que acabou levando a uma batalha judicial e criminal nos Estados Unidos.

Mesmo antes de recorrer à FIV, MaryBeth já destoava das estatísticas: apenas 5% das mulheres estadunidenses têm cinco ou mais filhos. Ao continuar engravidando após os 50, passou a integrar um grupo ainda mais raro — em 2023, o último ano com dados disponíveis, somente cerca de 1.200 mulheres acima dos 50 anos deram à luz nos EUA, a maioria no início da década.

Como o governo não publica dados para nascimentos acima dos 54 anos, o caso de MaryBeth é considerado extraordinário, situado nos limites do que os médicos chamam de “maternidade geriátrica” — um termo que ela desafiou na prática, tornando-se símbolo de uma busca extrema pela maternidade.

Uma história que revela um dilema do nosso tempo

O caso reacende o debate sobre os limites éticos e legais da reprodução assistida. De um lado, há o desejo individual e legítimo de formar uma família — mesmo em idade avançada. Do outro, surgem os riscos de fraude, abuso de confiança e vulnerabilidade das crianças envolvidas.

Enquanto MaryBeth tenta provar que agiu movida pelo amor e pelo desejo de cuidar, promotores e especialistas em direito de família alertam que a autonomia reprodutiva não pode se sobrepor à lei.

Por ora, os gêmeos continuam com a família acolhedora. A Justiça ainda decidirá se eles retornarão aos braços de MaryBeth — ou se permanecerão onde nasceram e cresceram até agora.

Barriga de aluguel no Brasil: o que a lei permite e o que é proibido

Casos como o de MaryBeth Lewis dificilmente aconteceriam no Brasil, porque o país tem regras muito mais restritivas e fiscalizadas para procedimentos de fertilização in vitro (FIV) e barriga de aluguel, também chamada de gestação por substituição.

No Brasil, esse tipo de gestação é permitido apenas em situações excepcionais e sem fins comerciais. A prática não é regulada por uma lei específica, mas por normas do Conselho Federal de Medicina (CFM) — atualmente pela Resolução nº 2.320/2022.

Segundo as regras, a mulher que gera o bebê não pode receber dinheiro, apenas o reembolso de despesas médicas e gestacionais. Além disso, ela precisa ter parentesco de até quarto grau (mãe, irmã, tia ou prima) com um dos futuros pais, salvo autorização especial do CFM.

Para iniciar o processo, é obrigatório apresentar um termo de consentimento livre e esclarecido, assinado por todas as partes — o casal ou pessoa interessada e a gestante. O procedimento só pode ser feito em clínicas registradas e fiscalizadas pelo CFM e pela Anvisa. Diferente dos Estados Unidos, a intermediação comercial por agências é ilegal no Brasil.

Outro ponto essencial é a autorização judicial e médica, exigida antes do nascimento. É essa documentação que define quem serão os “pais intencionais” e garante que não haja fraudes ou falsificações.

Um caso como o de MaryBeth, que falsificou a assinatura do marido e enganou uma clínica e um juiz, seria barrado rapidamente — e configuraria crime de falsidade ideológica e fraude processual, com possibilidade de prisão imediata.

Além disso, o uso de embriões de doadores é permitido apenas com consentimento formal e registro médico, o que impede o tipo de manipulação documental que ocorreu no caso americano.

Enquanto nos Estados Unidos há estados que permitem a barriga de aluguel comercial, com contratos de até dezenas de milhares de dólares, o Brasil mantém uma postura ética e restritiva, voltada para a proteção das crianças e das mulheres envolvidas. Por isso, o caso de MaryBeth Lewis — com fraudes, enganos e uma longa batalha judicial — dificilmente teria espaço dentro da legislação brasileira.

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