GEOPOLÍTICA DO CLIMA

COP30: ONU divulga relatório de metas climáticas sem China e com EUA de Biden

Pequim adia formalização de compromissos para ajustes ao plano quinquenal, enquanto Washington abandona objetivos após o retorno de Trump

COP30: ONU divulga relatório de metas climáticas sem China e com EUA de Biden.Créditos: Casa Branca
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

Às vésperas da COP-30, que começa em 10 de novembro em Belém, a ONU divulgou o relatório oficial do Acordo de Paris — e a principal conclusão é dupla: há avanços concretos, mas também um vazio preocupante.

O documento mostra que 64 países apresentaram novos compromissos de redução de emissões, cobrindo 30% das emissões globais de 2019. Mas os 70% restantes seguem sem dados atualizados, sobretudo por causa da ausência de China e Estados Unidos, que juntos respondem por cerca de 40% das emissões mundiais.

A lacuna é mais geopolítica do que técnica.

Enquanto Pequim adia o registro oficial de suas metas para alinhá-las ao novo Plano Quinquenal (2026–2030), Washington retrocede: Donald Trump desfez a política climática de Joe Biden, voltou a chamar o Acordo de Paris de “farsa cara” e retirou os EUA das negociações internacionais.

O resultado é um relatório tecnicamente sólido, mas politicamente incompleto.

Balanço climático mundial sem suas duas principais peças

A ONU divulgou nesta semana, no dia 28 de outubro, em Belém (PA), o relatório oficial da Conferência das Partes do Acordo de Paris (CMA 2025), reunindo os novos compromissos climáticos apresentados por 64 países entre 1º de janeiro de 2024 e 30 de setembro de 2025.

A publicação ocorre às vésperas da COP-30, que começa em 10 de novembro, também em Belém, e servirá de base para as negociações entre governos, cientistas e organizações internacionais sobre as próximas metas globais de descarbonização.

Esses países analisados pelo CMA 2025 representam 30% das emissões globais de 2019, o que significa que 70% das emissões mundiais continuam sem cobertura — em grande parte pela ausência de dados atualizados de grandes emissores como China, Índia e Estados Unidos.

Sem essas informações, a ONU alerta que não é possível avaliar com precisão se o mundo está no caminho de limitar o aquecimento global a 1,5 °C, principal meta do Acordo de Paris.

A ausência de dados de Pequim e Washington, que juntas respondem por cerca de 40% das emissões globais, torna o relatório tecnicamente válido, mas politicamente incompleto — um balanço climático mundial sem suas duas principais peças.

Credibilidade e confiança internacional em risco

A força do Acordo de Paris depende da reciprocidade: todos os países precisam demonstrar o que estão fazendo para reduzir emissões.

Quando as duas maiores economias do planeta não apresentam metas completas e verificáveis, a confiança internacional se abala, especialmente entre as nações em desenvolvimento, que cobram coerência dos mais ricos.

Essa lacuna também afeta o financiamento climático global, já que China e EUA são decisivos para orientar investimentos em energia limpa, inovação verde e transição energética.

Sem compromissos claros dessas potências, o mundo perde referências para políticas conjuntas, e o Global Stocktake — balanço global de progresso climático — sofre atrasos e distorções.

Avanços concretos, mas ritmo insuficiente

Dez anos após o Acordo de Paris, o relatório da ONU registra avanços reais, porém lentos.

Os compromissos atuais poderiam reduzir as emissões globais em até 17% até 2035 — chegando a 24% no cenário mais otimista —, com pico de emissões antes de 2030 e queda gradual nos anos seguintes.

Entre os 64 países analisados:

  • 89% incluíram metas para toda a economia;
     
  • 73% incorporaram planos de adaptação climática;
     
  • 98% adotaram medidas domésticas voltadas à energia solar, reflorestamento e combate ao desmatamento.

As metas de longo prazo apontam para a neutralidade de carbono entre 2040 e 2060, com 2050 como o ano mais recorrente.

Florestas, oceanos e povos tradicionais

Pela primeira vez, o relatório destaca o papel das florestas, oceanos e povos indígenas na mitigação climática.

Os programas REDD+ foram reconhecidos como instrumentos centrais, e houve aumento de 39% nas ações voltadas aos oceanos, incluindo manejo costeiro, turismo sustentável e energia azul.

Além disso, 72% dos países reforçaram a participação de povos indígenas e comunidades locais, reconhecendo seus saberes tradicionais como parte da solução global.

Juventude, gênero e financiamento verde

O relatório traz ainda uma seção inédita dedicada a crianças e jovens: 88% dos países incluíram ações de educação e engajamento climático.

A igualdade de gênero ganhou espaço: 89% mencionam políticas com recorte de gênero e 80% afirmam que aplicarão essa perspectiva na execução das metas.

No campo financeiro, as necessidades globais somam US$ 1,9 trilhão — sendo US$ 1,3 trilhão para mitigação e US$ 560 bilhões para adaptação.

Os países defendem novas formas de investimento, como títulos verdes, fundos multilaterais e créditos de carbono.

Por fim, 97% das nações já detalharam suas estruturas legais e relataram parcerias com empresas, governos locais e sociedade civil, consolidando uma abordagem de “toda a economia e toda a sociedade” para enfrentar a crise climática.

China: metas ambiciosas e planejadas

Segundo o relatório CMA 2025, a China ainda não submeteu formalmente sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) à ONU.

Pequim optou por anunciar compromissos domésticos antes da formalização — prática recorrente no país, que insere suas metas climáticas nos Planos Quinquenais e só depois as registra oficialmente.

Durante a Cúpula do Clima da ONU, o presidente Xi Jinping anunciou que a China pretende reduzir entre 7% e 10% suas emissões líquidas até 2035, elevar a participação das energias não fósseis para mais de 30% e multiplicar por seis a capacidade solar e eólica, atingindo 3,6 bilhões de kW.

Segundo Xi, trata-se do “máximo esforço da China dentro do Acordo de Paris”, e o país cobra apoio financeiro e tecnológico das nações desenvolvidas.

O governo também confirmou que o vice-premiê Ding Xuexiang será o representante especial de Xi na COP-30.

Avanços do 14º Plano Quinquenal (2021–2025)

O 14º Plano Quinquenal consolidou a China como líder mundial na transição energética.

Entre os resultados: redução de 18% na intensidade de carbono, 357 GW de novas instalações solares e eólicas em 2024 e 1 terawatt de capacidade solar acumulada até 2025 — o maior volume do planeta.

O país também ampliou reflorestamento e consolidou sua cadeia de produção de tecnologias limpas, de painéis solares a baterias de íon-lítio. Com isso, já responde por 60% da nova capacidade solar global.

O principal desafio, porém, segue sendo a dependência do carvão, que ainda limita quedas mais rápidas nas emissões.

O 15º Plano Quinquenal e o novo controle de carbono

Previsto para o período 2026–2030, o 15º Plano Quinquenal deve marcar a etapa decisiva rumo ao pico de emissões antes de 2030.
Sua principal inovação é o Sistema de Duplo Controle de Carbono, que combina metas de intensidade e volume total de emissões.

O plano inclui orçamentos regionais de carbono, expansão do mercado de créditos de emissão, avaliações de impacto climático em projetos públicos e incentivo a tecnologias verdes como hidrogênio e redes inteligentes.

Embora ainda não tenha apresentado metas oficiais à ONU, Pequim prepara um modelo de transição ecológica com planejamento estatal, integrando crescimento econômico, inovação e sustentabilidade — um caminho que reforça sua liderança entre os países do Sul Global.

EUA: negacionismo climático e ausência na COP-30

Nos Estados Unidos, o cenário é o oposto do chinês. A meta de redução de 61% a 66% das emissões até 2035, anunciada por Joe Biden, perdeu validade prática após o retorno de Donald Trump à presidência.

Trump voltou a negar a existência da mudança climática, chamou o Acordo de Paris de “farsa cara que destrói empregos americanos” e prometeu retirar novamente os EUA do tratado, como já havia feito em 2017.

A mudança foi imediata: programas de incentivo a carros elétricos e energia limpa foram suspensos, subsídios a combustíveis fósseis aumentaram e agências ambientais sofreram cortes orçamentários.

Essas decisões enfraqueceram a liderança dos Estados Unidos na diplomacia climática e isolaram o país nas negociações internacionais.

Enquanto Xi Jinping anunciava novas metas na Cúpula do Clima da ONU, em Nova York, Trump discursava no mesmo período afirmando que “os moinhos de vento são patéticos” e que a pegada de carbono é uma "farsa".

A postura se refletirá na diplomacia: os EUA não enviarão representantes de alto nível à COP-30, em Belém, limitando-se a uma presença técnica, sem participação da Casa Branca nem do Departamento de Estado.

Recomendações e caminhos para o futuro climático

O relatório da ONU reconhece que o mundo está avançando, mas a um ritmo insuficiente para conter o aquecimento global. Países vêm ampliando suas metas e investindo em energia limpa, reflorestamento e adaptação, porém sem compromissos mais ousados, a meta de limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C segue fora de alcance.

Entre as principais recomendações, a ONU pede metas mais amplas, verificáveis e transparentes, que envolvam todos os setores e gases de efeito estufa. O relatório também reforça a necessidade de cooperação internacional, com foco em financiamento climático justo, inovação tecnológica e transição socialmente inclusiva, integrando governos, empresas e comunidades.

Nenhum país pode agir sozinho. O futuro climático depende de um esforço global e coordenado. Ainda há tempo para agir — mas o custo da inação aumenta a cada ano. As decisões políticas tomadas agora definirão se o planeta será capaz de equilibrar crescimento econômico e sobrevivência ambiental nas próximas décadas.

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