Milionário e José Rico: como a dupla sertaneja virou sucesso na China durante os anos 80

Pode parecer improvável, mas uma das duplas sertanejas mais emblemáticas do Brasil — Milionário e José Rico — foi responsável por um dos episódios mais curiosos da história da música popular: o sucesso na China, durante a década de 1980.
Em um momento em que o país asiático começava a se abrir culturalmente ao mundo, os “Gargantas de Ouro do Brasil” atravessaram oceanos e fronteiras, levando o som da viola e a poesia da vida simples para um público completamente diferente — e foram recebidos com entusiasmo.

A China dos anos 1980 e a abertura ao mundo

Após a Revolução Cultural, o governo chinês, sob a liderança de Deng Xiaoping, iniciou um processo de modernização e abertura. A partir de 1978, o país passou a receber influências estrangeiras e a convidar artistas internacionais para se apresentar em solo chinês, em um esforço de promover trocas culturais e mostrar uma nova imagem da China ao mundo.

Foi nesse contexto que o governo chinês entrou em contato com o Brasil, pedindo oficialmente a presença de uma dupla sertaneja que representasse a cultura popular brasileira. E a escolha não poderia ser mais simbólica: Milionário e José Rico, ícones da música romântica e rural, conhecidos por unir melodias melancólicas, violas caipiras e arranjos orquestrais.

O sucesso de um filme e o convite inesperado

A ponte entre o sertão brasileiro e a China nasceu de forma inesperada. O filme Na Estrada da Vida (1980), que contava a trajetória da dupla, foi exibido em alguns festivais internacionais e acabou chamando a atenção de distribuidores chineses. O longa foi um sucesso de público no país asiático, despertando o interesse pelo som e pelas histórias dos cantores.

Encantado com o sucesso, o governo chinês fez o convite: queria Milionário e José Rico cantando ao vivo na China, como representantes da música brasileira.

A turnê aconteceu em meados dos anos 1980 e contou com oito apresentações em cidades como Pequim e Xangai. O público, formado por milhares de pessoas, assistiu curioso à mistura de violões, sanfonas e letras românticas sobre amor, saudade e vida no campo — temas que, curiosamente, ressoavam com a alma do povo chinês, também ligado a tradições rurais e ao valor da simplicidade.

Mesmo sem entender o idioma, o público se emocionava com as melodias. Em entrevistas posteriores, Milionário e José Rico contaram que ficaram surpresos com o carinho e o reconhecimento dos chineses, que pediam autógrafos e tentavam repetir os refrões das canções.

O sertão brasileiro em terras orientais

Mais do que uma curiosidade, o sucesso da dupla na China revela a força universal da música sertaneja. As canções sobre amores impossíveis, estrada e saudade ultrapassaram as barreiras linguísticas e culturais, criando uma ponte entre dois mundos distantes.

Em um período em que poucos artistas brasileiros tinham alcance internacional, Milionário e José Rico levaram a imagem do Brasil rural — com sua melancolia e beleza — para o outro lado do planeta.

A passagem de Milionário e José Rico pela China foi um feito inédito, mas pouco conhecido até hoje. Enquanto o sertanejo se transformava no Brasil e se modernizava com o passar das décadas, o episódio permaneceu como um capítulo curioso e simbólico: o momento em que o “som do sertão” ecoou na Muralha da China.

Mais do que uma turnê, foi um encontro entre culturas. E provou que, mesmo separados por oceanos e idiomas, o sentimento da música — especialmente quando nasce do coração do povo — é capaz de atravessar qualquer fronteira.