Enquanto Donald Trump insiste em sua cruzada quixotesca contra a energia eólica, Xi Jinping segue na direção oposta, tratando o setor como peça-chave do chamado desenvolvimento de alta qualidade da economia chinesa.
Um exemplo desse compromisso é a conclusão, nesta quarta-feira (1º), do maior sistema de energia eólica flutuante de unidade única do mundo, instalado em Beihai, na Região Autônoma Zhuang de Guangxi, no sul da China. A grandiosidade do projeto impressiona: o rotor da turbina tem 252 metros de diâmetro, cobrindo uma área equivalente a sete campos de futebol.
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Com capacidade de 16 megawatts, a turbina deve gerar anualmente cerca de 44,7 milhões de quilowatts-hora, energia suficiente para abastecer 40 mil residências médias nos Estados Unidos.
Todas as peças-chave — cabos de ancoragem, engrenagens e sistemas de controle de lastro — foram produzidas integralmente na China, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia. O próximo passo será rebocar a estrutura para águas mais profundas, acima de 50 metros, onde passará por instalação, testes e, depois, será conectada à rede elétrica.
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Montada sobre uma plataforma semissubmersível, a turbina conta com o primeiro sistema dinâmico de lastro desenvolvido na China. Ao bombear água para dentro ou fora das colunas da estrutura, ajusta-se automaticamente às mudanças do vento e das ondas, aumentando a estabilidade, reduzindo riscos de desligamento e elevando a eficiência.
O projeto é liderado pela China Three Gorges Corporation, estatal que construiu a Barragem das Três Gargantas, maior hidrelétrica do mundo, e hoje é considerada o maior operador global de energia hidrelétrica.
A comparação histórica dimensiona o avanço: o primeiro sistema comercial de energia eólica offshore flutuante do mundo, inaugurado há oito anos na Escócia, contava com cinco turbinas e capacidade de 30 megawatts. O que a China ergue agora, em uma única unidade, já rivaliza com complexos inteiros pioneiros dessa tecnologia.
China assume a dianteira global na energia eólica
O avanço da energia eólica na China ocorre em um momento decisivo, em que o país busca reduzir a dependência de combustíveis fósseis e cumprir a meta de neutralidade de carbono até 2060. Só no primeiro semestre deste ano, a China adicionou 4,4 gigawatts (GW) de capacidade offshore, igualando todo o resultado do ano passado, relatório do Global Energy Monitor de julho.
Hoje, o país já opera com 570 GW de capacidade instalada, consolidando-se como a maior potência mundial em energia eólica. Apenas em 2025, até maio, foram acrescentados 46 GW em novos parques eólicos, expansão que sozinha supera a capacidade total de diversos países.
O destaque vai para a energia eólica offshore. Em 2018, a China tinha menos de 5 GW nessa modalidade. Sete anos depois, em 2025, já soma 42,7 GW, metade de toda a capacidade mundial. Esse salto foi possível graças a investimentos pesados em tecnologia nacional e a uma cadeia de suprimentos completa, do projeto à instalação em alto-mar.
Projetos gigantes dão a dimensão desse avanço. O complexo Yangjiang Shaba III, no Mar do Sul da China, sozinho tem 1,7 GW de potência. Já em Guangdong, uma das províncias mais industrializadas, os parques offshore evitam a emissão de 23 milhões de toneladas de CO2 por ano — o equivalente a deixar de queimar quase 9 milhões de toneladas de carvão.
A aposta em plataformas flutuantes abre caminho para explorar um potencial estimado em 1.400 GW de energia eólica offshore, quase três vezes toda a capacidade elétrica instalada atualmente no Brasil.
Os resultados já aparecem nos números. No início deste ano, pela primeira vez, a soma da energia solar e eólica superou a capacidade de carvão e gás na matriz elétrica chinesa. Só essas duas fontes renováveis já respondem por 23% da eletricidade consumida no país, contra 18% no mesmo período de 2024.
Apesar da liderança, desafios persistem. O fim dos subsídios nacionais em 2021 reduziu parte dos investimentos, e muitos governos locais ainda priorizam carvão e gás. Mesmo assim, a expansão da eólica continua em ritmo impressionante e deve acelerar com novos leilões e políticas regionais voltadas à inovação.
A China mostra que é possível mudar rapidamente a matriz energética de um país. Se mantiver esse ritmo, não apenas reduzirá suas próprias emissões de carbono, mas também definirá os rumos do mercado global de energia nos próximos anos.
Energia eólica: setor-chave para o desenvolvimento de alta qualidade
Pequim tem transformado a energia eólica offshore em um pilar cada vez mais estratégico da sua transição energética. Em uma reunião econômica de alto nível realizada em julho, o presidente Xi Jinping classificou o setor como essencial para o “desenvolvimento de alta qualidade” da economia marítima chinesa.
Essa prioridade está refletida no 14º Plano Quinquenal (2021–2025), que reúne uma série de metas e políticas para acelerar a expansão da energia renovável no país. Documentos oficiais e análises destacam a energia eólica — especialmente a offshore e a tecnologia flutuante — como áreas-chave de inovação.
O Plano de Desenvolvimento de Energia Renovável prevê, por exemplo, a criação de grandes bases de geração ao longo da costa, projetos-piloto em águas profundas, o início do primeiro parque comercial de turbinas flutuantes e até a construção de “ilhas energéticas”, integrando geração, armazenamento e uso múltiplo do espaço marítimo.
Já o Plano de Inovação Tecnológica do Setor Energético reforça que a China busca consolidar liderança global em turbinas de grande porte, incluindo modelos marítimos de 10 MW ou mais, e avançar em redes de transmissão flexíveis de ultra-alta tensão, capazes de integrar volumes massivos de energia eólica e solar.
O documento sobre o sistema energético moderno complementa essas diretrizes ao indicar a necessidade de melhorar a previsão de geração eólica e solar, fortalecer a segurança do fornecimento e ampliar a participação de fontes não fósseis na matriz até 2025.
De acordo com o Global Energy Monitor, as províncias costeiras chinesas fixaram a meta de instalar 52 GW de capacidade offshore durante o 14º Plano Quinquenal. Até fevereiro de 2025, cerca de 41 GW já estavam operacionais, representando 80% do objetivo, com liderança das províncias de Jiangsu e Guangdong, que juntas respondem por mais da metade da capacidade instalada no país.
No conjunto, esses compromissos mostram que a energia eólica deixou de ser apenas uma aposta tecnológica e passou a integrar o núcleo da estratégia nacional da China para reduzir sua dependência de combustíveis fósseis e reposicionar-se como líder global na transição energética.