MEIO AMBIENTE

O deserto na America Latina que virou o maior "brechó" a céu aberto do mundo

Por trás do descarte de roupas, uma rede informal articulada por grandes marcas movimenta dinheiro, alimenta disputas e acelera a degradação ambiental

Créditos: Reprodução/Youtube
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Conhecido por seus céus limpos e paisagens, o Deserto do Atacama, no norte do Chile, nos últimos anos ganhou uma fama menos inspiradora: virou destino final de um rede informal de descarte de toneladas de roupas da indústria da moda. 

Em Alto Hospicio, cidade pobre com cerca de 130 mil moradores, montanhas de roupas usadas se acumulam. Algumas peças ainda trazem etiquetas intactas, e o cenário de tecidos coloridos desbotados pelo sol se mistura a sacolas plásticas, garrafas e detritos variados. A região passou a ser conhecida como a “mancha de lixo da moda”, numa alusão à ilha de plástico no Pacífico.

Boa parte dessa montanha de resíduos chega por meio do porto franco de Iquique, criado em 1975 para estimular a economia local. Sem impostos sobre importações, o local se transformou em um polo de entrada e redistribuição de roupas de segunda mão vindas da Europa, Ásia e Estados Unidos. Segundo dados alfandegários, cerca de 46 milhões de toneladas chegaram ao país em 2023. Iquique abriga hoje cerca de 2.000 empresas, muitas voltadas à triagem e revenda de vestuário usado.

Na prática, o que não é reaproveitado por revendedores ou exportado para países como Panamá, República Dominicana e até de volta aos EUA, acaba despejado no deserto. Algumas peças ainda passam por feiras como La Quebradilla, mercado popular com cerca de 7 mil barracas vendendo roupas por valores que variam entre 12 centavos e 2 dólares. Mas grande parte vai parar no lixo.

Além da poluição visual, o descarte têxtil tem provocado problemas ambientais graves. Muitas peças contêm materiais sintéticos que não se degradam facilmente. Incêndios frequentes em meio às pilhas de roupas espalham fumaça tóxica, agravando os riscos para a população local.

Medidas buscam solução 

Apesar do cenário preocupante, algumas iniciativas vêm ganhando força. Em Santiago, a startup Ecocitex transforma roupas usadas em fios sem uso de água ou corantes. Já Franklin Zepeda criou uma empresa que reutiliza resíduos têxteis para produzir painéis de isolamento térmico. A empresa de importação Dilara, em Iquique, planeja abrir uma usina de reciclagem para converter roupas em enchimentos para sofás.

Esses esforços, no entanto, ainda são pequenos diante do tamanho do problema. O governo chileno discute agora a ampliação da chamada Lei REP (Responsabilidade Estendida do Produtor), aprovada em 2016, para incluir o setor têxtil. Hoje, a legislação cobre seis categorias de resíduos, mas uma equipe do Ministério do Meio Ambiente trabalha para acrescentar os têxteis à lista.

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