Se Bolsonaro (PL) e Caiado (UB) tem algo em comum é que são duas pessoas consideradas excêntricos e intolerantes, que dão coices em muitos dos seus interlocutores. Apesar de o segundo ter um pouco mais de erudição linguística e médica, o fato é que, com exceção do cavalo de pau de Bolsonaro durante a pandemia e disputa municipal em Goiânia com PL e UB no segundo turno, eles concordam em praticamente tudo. Com a opção dos liberais, anunciada no dia 15 de abril, de preferirem apresentar recurso contra a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), que afastou a inelegibilidade do governador Ronaldo Caiado e o seu candidato biónico Sandro Mabel, Bolsonaro é obrigado a engolir o seu orgulho pela primeira vez. Ainda vivendo as chagas das sequelas biológicas da facada que sofreu nas eleições de 2018 em Juiz de Fora e das inúmeras cirurgias abdominais decorrentes dela, Jair Messias parece ter vivido um calvário de Cristo em plena Páscoa. A eleição criminosa do candidato do Caiado, superando os aliados do presidente de honra do PL, que veio pessoalmente à Goiânia, foi uma facada simbólica que ele sofreu, cuja vitória de virada foi reproduzida na primeira e segunda instância do judiciário eleitoral goiano, com o PL ganhando a primeira, mas o UB ganhando a segunda.
No dia 8 de abril, o TRE-GO reverteu a decisão de primeira instância da juíza Maria Umbelina Zorzetti que havia condenado governador de ter usado a estrutura do governo para favorecer os seus candidatos nas eleições de 2024, tornando-o à inelegível por oito anos, além de ter cassado o registro de prefeito e vice-prefeito de Sandro Mabel e Coronel Cláudia, respectivamente. Os desembargadores reconheceram que houve abuso de poder econômico, mas consideraram a pena desproporcional em relação ao crime eleitoral consumado, tendo substituído a inelegibilidade por multas de R$ 60 mil para Caiado, R$ 40 mil para Mabel e R$ 5,3 mil para Cláudia.
Esse resultado já era esperado na medida em que o MP-GO colocou panos quentes no caso de Caiado e Mabel. O procurador eleitoral Marcello Wolf posicionou-se em defesa da desproporcionalidade da multa e da da condenação do governador Ronaldo Caiado (UB), do prefeito de Goiânia Sandro Mabel (UB) e da vice-prefeita, Coronel Cláudia (Avante). Apesar do caráter meramente opinativa da declaração peticional, sabemos futuro julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Argumentando que, “Embora tenha sido utilizada a estrutura da sede do governo para realização de duas reuniões de articulação político-eleitoral, não há indicativos da realização de gastos específicos com a realização dos eventos” é de uma preguiça matemática porque de fato há indicativos sim. Wolf desconsidera que os vereadores eleitos de Goiânia presentes no banquete nas esmeraldas representavam (desconsiderando todos os vereadores eleitos PT e do PL e um dos eleitos do PSDB) representavam cerca de 168290 votos, ou seja, mais da metade do votos que teve Sandro Mabel (considerando a grande possibilidade do eleitor de um vereador votar no candidato a prefeito escolhido por ele e que o abuso de poder com uso da máquina pública, pode ter sido decisivo pro vereador optar pela preferência de Mabel).
A reaproximação formal de Caiado com Jair Bolsonaro se deu durante o ato pró-Anistia (06/04/2925) dos presos de 8 de janeiro em São Paulo, inclusive, do ex-presidente -, sendo apontado como agitador social dos crimes contra democracia -, foi nodal para que os nós entre eles fossem reatados. Cabe lembrar que o ex-presidente citou ainda a possibilidade iminente de inelegibilidade de Caiado, afirmando que atuaria para conter a ofensiva do PL goiano contra o caudilho goiano. A costura de acordão político foi negociada com o senador Wilder Moraes (presidente estadual do PL), Fred Rodrigues (candidato derrotado à prefeitura de Goiânia, o próprio Caiado e o Sandro Mabel (prefeito eleito da capital).
Fato pitoresco é que quem costurou para que o senador, pré-candidato a governador, atendesse o atual governador, foi o dep. fed. Gustavo Gayer -, que havia chamado Caiado de “canalha” e acusado ele de ser o responsável, após visita dele ao Ministro Alexandre de Moraes em Brasília, pela operação da Polícia Federal, deflagrada em outubro de 2025, as vésperas da eleição municipal com o amigo "Fred de Gayer" -, ao que foi respondido na lata, como de costume, pelo governador, com um vídeo, em que o chama o parlamentar de “comunistazinho”. O interessante para além da relativização rápida do antagonismo líquido entre eles e do PL com o UB-MDB, que ainda move ação, atualmente no STE, para derrubar o mandato de 3 deputados estaduais dos liberais (Maj. Araújo, del. Edu Prado e P.C. Martins) por suposto não cumprimento de cotas de gênero, é o non sense no uso picaresco da palavra “comunista”. Em termos de análise de discurso, a expressão é empregada para desqualificar um invertebrado interlocutor membro da extrema-direita digitaloide, conhecido pela toxidade dos seus discursos de ódio à esquerda, erroneamente, chamada também de comunista por ele.
Mesmo que o PL goiano mantenha, até segunda ordem, que poderá vir do próprio Bolsonaro -, a postura firme de que terá candidato para governador, no caso, o próprio presidente estadual do partido, a tendência é que haja um processo de fritura de Wilder Moraes, para ser evitado qualquer atrito com Caiado. O objetivo maior é obter o consenso para que a anistia possa ser aprovada, se possível, antes da eleição presidencial, o que viabilizaria até mesmo uma chance de Bolsonaro voltar a ter os seus direitos políticos, mesmo que as chances sejam bem remotas de que não haja pedras no caminho.
Num cenário mais realista, Jair Messias parece estar focado em sacrificar eleições executivas municipais e estaduais da sua legenda para garantir a eleição do presidente e senadores aderentes a sua defesa diante de um STF cada vez mais refratário à extrema-direita. Na verdade, essa tendência já estava em curso, desde dezembro de 2024, porque Bolsonaro esteve em reunião de articulação política com o atual vice-governador Daniel Vilela (MDB), candidato do Caiado para sucedê-lo, mediada pelo vereador Major Victor Hugo e leal escudeiro do ex-presidente em Goiás, possível nome que poderá concorrer pelo PL, caso supere a popularidade do atual deputado federal, Gustavo Gayer, o seu desafeto político no partido. Essa pauta extraoficial foi tida como conspiração pela cúpula dos liberais goianos, tendo sido feita nota de repúdio por Wilder que ameaçou tomar “medidas drásticas” contra o miserável major.
Essa disputa metonímica do poder em Goiânia, com reflexos para corrida presidencial -, lembrando que a construção planejada da capital goiano na década de 30 influenciou o debate nacional para a construção de Brasília, e segue sendo um vetor político de influência regional -, acabou respingando até mesmo no PT local. O partido tem sido acusado em 2025 pelo dep. estadual Clécio Alves (REP), de ter sido o fiador da eleição do candidato de Caiado, Sandro Mabel, no segundo turno. Na verdade, a prefeitável do partido, Delegada Adriana Accorsi, delegada para os direitistas e filha do ex-prefeito petista Darcy Accorsi, para os esquerdistas, era a favorita para ocupar a vaga de prefeito, mas acabou ficando em terceiro lugar. Concorreu para isso o paradoxo do PT goiano de ser totalmente lulodepedente em uma das cidades mais bolsonaristas e um dos Estados mais antilulopetistas do Brasil. A cúpula da campanha da delegada optou, erroneamente, por camuflar o vermelho com tons de pastéis lilás e não contar com a participação do homem que tem a chave do cofre nacional para investimentos, apesar de ele ter vindo a Goiânia durante a campanha para inauguração do BRT Norte-Sul, que custou R$ 140 milhões do governo federal.
O enfraquecimento do PT e do PL em Goiás é reflexo do efeito colateral do remédio de Caiado contra a polarização política no Brasil, que parece ser pior do que a doença, pois apesar de danosa a antagonização entre dois polos extremados, sabemos que Caiado é avesso a todo tipo de oposição. Caso se concretize essa configuração atual, uma esplanada inteira será aberta para o governador passar com os seus cavalos e tratores rumo a seu projeto absolutista de poder agroexportador e eugenista.
O fortalecimento de um líder, cujo passado familiar e pessoal seria capaz de inspirar muitas séries de gangsterismo do Netflix, certamente, não fará bem ao Brasil, como não está fazendo bem para Goiás, apesar de muitos goianos verem nele, por perversão de laço, a chance de eleger o primeiro presidente do país comedor de pequi. Ocorre que, por trás, da singela defesa desse patrimônio cultural do Estado, há espinhos ocultos e demagógicos de uma República do Deus Zebu, que não respeitará a independência de poderes no Brasil, como faz em Goiás, Estado onde criticar o governador já quase equivale a não realizar o cumprimento nazista ao ouvir o nome “Hitler”.
Denúncia de "Farra do boi" no acordo do PL com Caiado
O deputado Paulo Cezar Martins do PL goiano mencionou ser contra o acordo do PL com o UB para que não houvesse apelação mediante recurso ao STE, da decisão do TRE-GO sobre o processo da ação de investigação eleitoral que havai levado, inicialmente, a inelegibilidade do governador Caiado. Acordo que foi chamado pelo deputado de “farra do boi” em prol de obter consenso político para aprovação da anistia irrestrita para os para os participantes do 8 de abril, quando, na verdade, é sabido que, o governador ofereceu as unidades prisionais do Estado para prender os manifestantes. Segundo o decano da assembleia, apesar de ele ser a favor da anistia manifestou-se favorável à anistia, segue fiel a oposição ao caidismo sem “oportunismo”: “O partido não me consultou. Eu tenho que falar por mim: não sou a favor dessa desistência da ação”.
*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.