ANTI-HERÓI

Hulk Hogan morre aos 71 anos: ícone da virilidade tóxica e aliado de Trump deixa legado controverso

Lenda da luta livre, ele ajudou a consolidar um modelo de masculinidade agressiva e foi símbolo da cultura pop conservadora dos EUA

Hulk Hogan morre aos 71 anos: ícone da virilidade tóxica e aliado de Trump deixa legado controverso.Lenda da luta livre, ele ajudou a consolidar um modelo de masculinidade agressiva e foi símbolo da cultura pop conservadora dos EUACréditos: Reprodução Partido Republicano
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O ex-lutador Hulk Hogan, um dos rostos mais conhecidos da luta livre estadunidense, morreu nesta quinta-feira (24), aos 71 anos, após sofrer uma parada cardíaca em sua casa em Clearwater, na Flórida. Nascido Terry Gene Bollea, ele faleceu cercado por familiares, segundo informou seu empresário, Chris Volo.

Figura central da WWE (World Wrestling Entertainment) nas décadas de 1980 e 1990, Hulk Hogan foi mais do que um astro do entretenimento esportivo: encarnou o modelo de masculinidade hegemônica que dominou a cultura pop dos EUA no final do século XX.

A WWE, maior empresa de wrestling profissional do mundo, combina lutas roteirizadas com personagens caricatos, apelos dramáticos e narrativas de heróis contra vilões — e foi nesse palco que Hogan se consagrou como (anti) herói nacional.

Com sua imagem de homem branco, musculoso, invulnerável e autoritário, ele se tornou símbolo de uma masculinidade agressiva, centrada na força física, no patriotismo exaltado e na rejeição de qualquer traço de vulnerabilidade. Seu bordão “Train, say your prayers and eat your vitamins” (Treine, reze e tome suas vitaminas) funcionava como uma cartilha moral conservadora, vendida como motivação esportiva.

Essa estética da força bruta encontrou eco nas arenas da política. O personagem Hulk Hogan reforçava, em escala global, valores como a virilidade dominante, a superioridade do homem “forte” e o ideal da família tradicional — tornando o ringue uma metáfora do combate moral entre o “bem” e o “mal”, nas bases de um discurso conservador.

Entre a luta e a tela: a face hollywoodiana de Hogan

Além do sucesso nos ringues — onde foi campeão da WWE seis vezes e protagonizou eventos como o lendário confronto com André, o Gigante, diante de 93 mil pessoas no WrestleMania de 1987 — Hogan também investiu em sua carreira como ator.

Estrelou filmes como Rocky III (1982), Comando Suburbano (1991), Mr. Nanny (1993) e Santa with Muscles (1996), além de séries como Thunder in Paradise. No auge da fama, foi um dos nomes mais requisitados pela fundação Make-a-Wish, símbolo de popularidade entre o público infantil.

Reprodução Amazon e Divulgação - Reality show "Hogan Knows Best"

De 2005 a 2007, protagonizou o reality show Hogan Knows Best, no qual interpretava a si mesmo como o patriarca controlador de uma família que servia de espelho aos ideais conservadores: a esposa submissa, o filho que precisava provar masculinidade, e a filha hipersexualizada, mas protegida com rigidez.

A produção reforçava o arquétipo da autoridade masculina como modelo de família ideal, refletindo a ideologia de um país branco, heteronormativo e hierarquizado.

Racismo, escândalos e censura

Em 2015, Hulk Hogan teve sua imagem pública abalada quando veio à tona um vídeo íntimo em que fazia declarações abertamente racistas e misóginas. A gravação, feita sem seu consentimento, mostrava o ex-lutador usando insultos contra pessoas negras e comentando de forma depreciativa sobre relacionamentos inter-raciais.

Como resposta, a WWE o retirou temporariamente do Hall da Fama. No entanto, a reintegração pouco tempo depois escancarou uma dinâmica recorrente na cultura pop dos EUA: a tolerância com figuras consideradas “fortes” ou “carismáticas”, mesmo após episódios de violência simbólica ou discurso de ódio.

Esse episódio não apenas expôs as contradições morais da indústria do entretenimento, mas também foi um dos elementos que alimentou a ofensiva jurídica que resultaria no fim do site Gawker. Foi um dos capítulos mais emblemáticos da guerra entre celebridades e a liberdade de imprensa nos Estados Unidos.

O caso Gawker: repressão privada à imprensa

Fotomontagem Wikipedia - Hulk Hogan e Peter Thiel

O encerramento do Gawker, em 2016, está diretamente ligado ao ex-lutador e ao bilionário do Vale do Silício Peter Thiel, que desempenharam papéis centrais e interligados nesse desfecho.

Fundado em 2003 por Nick Denton, o Gawker se destacou por seu tom sarcástico, provocador e frequentemente implacável com figuras públicas. Era um dos principais nomes da mídia digital alternativa dos anos 2000, combinando jornalismo investigativo com fofocas de celebridades, bastidores do poder e críticas ácidas à elite midiática, política e tecnológica.

Entre suas matérias mais polêmicas estavam a revelação da homossexualidade de Peter Thiel (sem seu consentimento) e a publicação, em 2015, de um vídeo íntimo de Hulk Hogan fazendo sexo com a esposa de um amigo.

Hogan processou o site por invasão de privacidade, exigindo US$ 100 milhões de indenização. O caso foi a julgamento em 2016, e o júri decidiu a favor do ex-lutador, concedendo-lhe US$ 140 milhões — US$ 115 milhões em danos compensatórios e US$ 25 milhões em danos punitivos. A ação devastadora levou a Gawker Media à falência.

Nos bastidores, o caso escondia uma motivação ainda mais complexa: Peter Thiel financiou secretamente o processo de Hulk Hogan, investindo cerca de US$ 10 milhões na ação judicial como forma de vingança pessoal. O bilionário, cofundador do PayPal e investidor do Facebook, não havia perdoado o Gawker por tê-lo "tirado do armário" em 2007, sem seu consentimento, e vinha arquitetando desde então formas de silenciar o veículo.

A combinação entre o rosto midiático de Hogan e os recursos bilionários de Thiel criou um precedente perigoso para a liberdade de imprensa: o de que celebridades e empresários ultrarricos podem eliminar veículos críticos por meio de processos judiciais financiados estrategicamente.

O Gawker foi encerrado em agosto de 2016 após ser vendido à Univision, que decidiu manter outros sites do grupo (como Gizmodo e Jezebel), mas extinguiu o Gawker.com, símbolo da irreverência e da crítica desafiadora.

O caso se tornou símbolo de um novo tipo de censura: não imposta pelo Estado, mas patrocinada por interesses privados com recursos quase ilimitados. Hogan foi o rosto da ação. Thiel, o cérebro por trás do golpe. Ambos, unidos por ressentimentos pessoais, conseguiram silenciar uma das vozes mais incômodas da mídia digital estadunidense.

Abraço à extrema direita

WWE - Donald Trump e Hulk Hogan nos anos 1990
WWE - Donald Trump e Hulk Hogan em 2024

Nos últimos anos, Hogan passou a atuar abertamente como apoiador de Donald Trump e da extrema direita. Em 2024, participou da Convenção Nacional Republicana, arrancando sua camiseta ao estilo WWE para revelar outra com os dizeres “Trump 2024”. Sua presença serviu como reforço visual da ideia de que liderança política se confunde com virilidade, espetáculo e força física.

A morte de Hogan causou comoção entre figuras do movimento MAGA (Make America Great Again). Trump o homenageou em sua rede Truth Social.

“Hulk Hogan era MAGA até o fim — forte, duro, inteligente, mas com o maior coração. Ele fez um discurso eletrizante na Convenção Nacional Republicana, um dos pontos altos da semana.”

Reprodução

 

Reprodução Partido Republicano - Performance tóxica durante convenção republicana de 2024

Outros aliados, como o vice-presidente J.D. Vance e o presidente da Câmara Mike Johnson, também expressaram pesar. Celebridades como Sylvester Stallone, Ric Flair e John Cena publicaram homenagens emocionadas.

Um legado perigoso

A relação entre Trump e Hogan remonta aos anos 1980, quando o empresário do setor imobiliário passou a frequentar os eventos da WWE. Participaram juntos de encenações no ringue, e ambos utilizaram o espetáculo para reforçar suas imagens públicas: um como herói do povo, outro como magnata imbatível.

Essa convergência entre cultura pop e política autoritária preparou o terreno simbólico para o fenômeno do trumpismo. A construção do homem-líder como guerreiro, provedor e dominador é herança direta do tipo de virilidade promovida por figuras como Hogan.

Com sua morte, encerra-se a trajetória de um personagem central na construção da masculinidade tóxica na mídia estadunidense. Mas o legado permanece — na política performática, na intolerância à diversidade e na idealização do macho-alfa como modelo de poder.

O “Hulkster” sai de cena, mas a cultura que o elevou segue influente — e cada vez mais agressiva.

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