No primeiro dia da análise de mérito no julgamento dos réus do núcleo crucial da trama golpista, embora tanto o relator, ministro Alexandre de Moraes, quanto o ministro Flávio Dino tenham condenado todos pelos crimes que constam na peça acusatória, há um prenúncio de divergência em relação à dosimetria da pena de pelo menos três dos acusados.
Em seu voto, Dino inclusive evitou o uso da palavra "divergência", já que acompanhou no mérito o voto do relator, mas anunciou que considera menor, em relação aos demais, a participação do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; do ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), deputado federal Alexandre Ramagem.
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“Não é uma divergência propriamente, mas uma diferença que eu adianto em relação ao eminente relator. Em relação a Bolsonaro e Braga Netto, não há dúvida de que a culpabilidade é bastante alta. Portanto, a dosimetria deve ser congruente com o papel dominante que eles exercem. Já Paulo Sérgio Augusto Helena e Alexandre Ramagem, eu considero que há uma participação de menor importância”, pontuou Dino.
Destes, o personagem mais emblemático é Augusto Heleno, citado mais de uma vez por Alexandre de Moraes em seu voto. Um dos principais incentivadores da campanha do então deputado federal em 2018, só não foi seu vice porque seu partido à época, o PRP, não aceitou se aliar ao PSL na disputa presidencial. Foi durante muito tempo o principal conselheiro e influenciador de Jair Bolsonaro
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Um dos principais nomes do Exército brasileiro, sua possível condenação é "dolorida" para a caserna, segundo o historiador e especialista na área militar Manuel Domingos Neto. Mas vista como "necessária" para uma espécie de "limpeza de imagem" após anos de desgaste. “Foi uma liderança importante por décadas, mas não há espírito de proteção a ele. Sua condenação também é vista como necessária”, pontua o pesquisador.
O que Moraes disse sobre Heleno em seu voto
Moraes lembrou que o ex-chefe do GSI afirmou, na reunião ministerial de 5 de julho de 2022, que, “se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições”, uma alusão à necessidade de agir contra determinadas pessoas e instituições, o que evidenciaria a concordância de Heleno com a utilização de medidas de exceção para que o grupo se mantivesse no poder.
Também destacou a apreensão da agenda do general, que teve vários trechos mencionados na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). “Não é razoável achar normal um general do Exército, general quatro estrelas, ministro do GSI, ter uma agenda com anotações golpistas. Ter uma agenda preparando a execução de atos para deslegitimar as eleições, para deslegitimar o Poder Judiciário e para se perpetuar no poder. Eu não consigo entender como alguém pode achar normal numa democracia, em pleno século XXI, uma agenda golpista", disse o ministro.
A defesa do general sustenta que ele teria se distanciado do então presidente Jair Bolsonaro, pontuando que, no fim do mandato presidencial, Heleno pouco se reunia com o mandatário e por isso não teria conversado com seu chefe sobre a tentativa de golpe.
“Quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos do Centrão e tem sua filiação ao PL, inicia-se sim um afastamento da cúpula do poder”, disse na sua sustentação oral o advogado Matheus Milanez, que representa Heleno. Alexandre de Moraes afastou a tese em seu voto, citando o episódio em que o militar deixou a formatura de um neto para ir a uma reunião golpista em Brasília, no dia 16 de dezembro de 2022.
O magistrado se referiu a um encontro do então chefe do GSI com o ex-chefe da Força Aérea Brasileira Carlos Almeida Baptista Júnior, relatado pelo brigadeiro durante a formatura de graduação do Instituto Técnico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Na ocasião, o general se dirigiu a Baptista Jr. e perguntou se haveria uma vaga no avião de apoio da FAB, pois ele havia sido acionado por Bolsonaro para uma reunião de urgência no dia seguinte, um sábado.
Ali, o comandante da Aeronáutica estranhou o fato de a reunião ocorrer no fim de semana e com urgência e chamou o general para uma conversa numa sala reservada, dizendo que não concordaria com qualquer movimento de ruptura democrática. Por não ter sido convidado para o encontro, pediu a Heleno que avisasse o então presidente sobre seu posicionamento. O chefe do GSI teria ficado "atônito", segundo Baptista Júnior, e tentou desconversar.
A percepção de Flávio Dino sobre Augusto Heleno
Já o ministro Flávio Dino acompanhou Moraes na condenação dos réus do núcleo crucial, mas fez uma ressalva em relação ao relator, apontando uma participação de menor importância para Ramagem, Heleno e Nogueira.
O magistrado viu, nos três casos, condutas limitadas no tempo e apontou que vai considerar a possibilidade de aplicar uma redução, com fundamento no artigo 29 do Código Penal, que fala sobre a diminuição na medida da culpabilidade de cada réu. Segundo o texto, se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
Sobre Augusto Heleno, Dino disse não ter encontrado indícios de atos exteriorizados no segundo semestre de 2022, quando houve a intensificação da execução da trama golpista. Ele considerou plausível a tese da defesa de que o general poderia ter se afastado por conta da proximidade de Bolsonaro com o Centrão.
"Graças a Deus, ele não cantou nos autos do processo. Não vi participação dele nas reuniões posteriores, o que também indica uma menor importância causal", apontou o ministro, fazendo menção à paródia cantada em um evento pelo general, na qual dizia: "Se gritar pega Centrão/Não fica um, meu irmão", em uma versão da música "Se Gritar Pega Ladrão", do grupo Os Originais do Samba.