Um levantamento feito pela Fórum, a partir de registros públicos da Câmara e do Senado, revela que, entre os anos de 1988 e 2001, período pós-Constituição, o Congresso Nacional atuou de forma a blindar seus próprios parlamentares. Nesse período, mais de 200 pedidos de abertura de processo criminal enviados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foram barrados, e apenas um único processo contra parlamentar recebeu autorização para avançar.
O pior é que agora é possível dizer que essa não foi a única vez que a Câmara realizou o manobra em benefício próprio. Duas décadas depois, na noite desta terça-feira (16), a Casa que vem acumulando um histórico de absurdos, aprovou em dois turnos, o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a blindagem judicial de deputados e senadores, conhecida como PEC da Blindagem ou a "PEC da Bandidagem", apelido recebido nas redes sociais.
A iniciativa altera regras relacionadas a medidas cautelares, foro privilegiado e ao andamento de ações penais contra parlamentares, contando com apoio de diferentes bancadas, sobretudo do Centrão. Na época, a chamada licença prévia de forma similar à PEC estabelecia que parlamentares só poderiam responder a processos criminais mediante autorização da respectiva Casa legislativa.
Só no começo dos anos 2000, em 13 anos do vigor da lei, o Congresso decidiu suprimir o trecho, reduzindo igualmente outras prerrogativas de imunidade dos parlamentares após anular mais de 253 processos e aceitar apenas um: o do deputado Jabes Rabelo (PTB-RO). Segundo a investigação, Rabelo teria adquirido uma caminhonete Ford F-1000 de um de seus funcionários, pagando 75 milhões de cruzeiros, e a revendeu posteriormente. O MP apontou que todos os documentos do veículo eram falsificados.
Ao se defender em plenário, o deputado alegou perseguição política e afirmou que não seria o "primeiro nem o último a comprar, por desconhecimento, um carro com chassi adulterado". A justificativa, porém, não convenceu, e a Câmara autorizou o Supremo a processá-lo, com 366 votos a favor e 35 contra.
A blindagem alcançou até parlamentares acusados de crimes graves, incluindo tentativa de assassinato e homicídio. Ao todo, 17% (43 pedidos: 25 Câmara + 18 Senado) foram rejeitados em plenário e outros arquivados ou ignorados: 83% (210 pedidos).
Veja no gráfico a seguir:
Duas décadas depois
Mais de de 20 anos depois, a Câmara busca recuperar esse mecanismo que beneficia parlamentares por meio de uma PEC no justamente no momento em que Bolsonaro é condenado pelo STF por tentativa de golpe de Estado junto a militares em um julgamento que ficou para a História do país, enquanto Donald Trump segue com suas investidas contra o Brasil em paralelo com a articulação de Eduardo Bolsonaro (PL), que foi nomeado pelo PL como o novo líder da minoria na Câmara dos Deputados em uma manobra que desafia qualquer noção racional, ética e de moralidade, pouco considerando o crime de lesa-pátria cometido pelo deputado que apoiou as medidas do republicano e atentou contra ministros do STF. Além disso, no momento que Flávio Dino pressiona pela transparência das emendas Pix.
Bolsonaristas, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o Centrão pressionaram Hugo Motta (Republicanos), que ficou em cima do muro em relação à proposta que é inconstitucional, para que anistia fosse pautada e aprovada, e agora o mesmo já comunicou que vai colocar em votação a anistia nesta quarta (17), colocando em risco a moralidade do STF e desestabilizando outra vez a relação entre os Poderes.
No primeiro turno, a PEC da Blindagem foi aprovada com 353 votos a favor, 134 contrários e uma abstenção, superando os 308 votos necessários. No segundo turno, a aprovação ocorreu por 344 a 133 votos.
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Senado deve barrar; isenção do IR foi ignorada
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o senador Otto Alencar (PSD-BA) já sinalizou que, no Senado, a proposta "não passa de jeito nenhum" e foi direto sobre a matemática da Casa: "não tem 49 votos" para aprovar uma emenda constitucional. Diferentemente da Câmara, a CCJ do Senado analisa admissibilidade e mérito, o que aumenta o peso da posição do colegiado e dificulta o avanço da matéria.
A manobra do PL, avalizada por Hugo Motta, escancara o uso político das regras internas da Câmara para proteger um deputado que não cumpre suas obrigações. Mais do que isso: mostra como a estrutura do Parlamento pode ser manipulada para atender interesses pessoais e familiares, às custas do povo brasileiro.
Outra prova disso é a Câmara deixar de lado votação da isenção do IR para pautar a Blindagem após Motta decidir adiar novamente a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5.000 mensais. Ao chegar à reunião de líderes, o presidente da Câmara afirmou que o tema precisava ser votado e consultou os colegas, que não apresentaram objeções. Segundo as lideranças presentes, a pauta do IR, considerada prioridade pelo governo Lula (PT), sequer foi debatida.
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