DESDE BAKU

O que mais estranhei ao mergulhar na Cúpula do Clima

Combate ao consumismo? Zero

Ecológica.A garrafinha "ecológica" de plástico e metal e o repórter depois de consumir quatro tipos de carne.Créditos: Aqruivo pessoal
Escrito en GLOBAL el

De Baku, Azerbaijão -- Foi minha primeira Cúpula do Clima.

Passei doze dias intensamente mergulhado, como repórter da Fórum, no encontro que -- até agora sem resultado concreto -- deveria definir o financiamento para enfrentar a emergência climática.

Anoto que a palavra "adaptação" está sendo cada vez mais usada, como se não fosse mais possível manter o aumento da temperatura do planeta no 1,5 grau recomendado pelos cientistas -- em relação ao pré-período industrial.

Num dos estandes do Brasil, estranhei o entusiasmo dos pecuaristas.

De acordo com uma ONG, nunca tantos lobistas fizeram parte oficialmente da delegação brasileira.

Ao que consta, nenhum do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

Fazendo justiça jornalística aos representantes do agronegócio, eles argumentam que as novas tecnologias vão mudar tudo.

Produziremos mais em menos terra, o Brasil alimentará o planeta sem fazer disparar suas emissões de carbono e outros gases de efeito estufa.

De fato, planos financiados pelo BNDES e organizados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar fazem o brasileiro respirar aliviado.

Comunhão na água (engarrafada)

O grande símbolo da COP de Baku -- imagino que tenha sido de outras -- é que bebemos coletivamente da mesma água, em tese para evitar os copos descartáveis.

O sentimento é de uma comunhão entre os mais de 60 mil credenciados.

Porém, as garrafas entregues a cada um de nós são de metal.

Os bebedouros são abastecidos por galões de plástico, aos milhares!

Parece até que foi tudo uma imensa encenação pelo clima.

E o consumo?

O que mais me chocou é que ouvi discursos, fiz entrevistas e percorri centenas de quilômetros do Azerbaijão sem que tivesse ouvido uma mísera vez sequer qualquer incentivo para parar de consumir.

"Deixem de comprar" não foi uma palavra de ordem. Aliás, parecia até mesmo o elefante imaginário a assombrar a COP.

Aparentemente, as milhares de pessoas com as quais convivi nas últimas semanas acreditam que devemos consumir tanto quanto consumimos no passado, que de alguma forma mágica os recursos vão brotar de algum universo paralelo para alimentar nossas "necessidades" pessoais.

Sem lucro, o capitalismo morre.

Trata-se, portanto, de um evento que aposta em "reformar o capitalismo", sem que os lucros deixem uma "pegada de carbono", o que me parece uma contradição impossível de resolver, para não dizer um conto de fadas.

E o querosene?

Tive o impulso de perguntar aos organizadores da COP29 quantos litros de querosene de aviação foram gastos para trazer mais de 60 mil pessoas a Baku, mas desisti ao relembrar que eu mesmo voei São Paulo-Frankfurt-Baku por algumas horas.

Famosamente, o querosene é uma das maiores ameaças à camada de ozônio que nos protege do câncer, mas o vice-presidente Geraldo Alckmin, agora convertido ao comunismo de Mao Tsé Tung, garante que tudo será resolvido pelo próprio Brasil -- é só questão de alguns anos. 

Confesso que fiquei apaixonado pelos corredores da COP, onde muita gente ainda acredita na utopia de que fazemos, de fato, diferença -- um a um. Agradeço aos militantes que, de certa forma, me confortaram.

Mas, todas as soluções com as quais tive contato na COP29 presumem que todo cidadão do planeta tem direito a um iphone, a consumir carne à vontade, a comer morango fora de época, mesmo quando ele vem de avião, a 3 mil quilômetros de distância.

Repito, por dever de ênfase: como se todos fossemos crianças mimadas, a COP não nos negou absolutamente nada!

Nem uma única palavra oficial, por exemplo, sobre modificar os hábitos alimentares.

Nos anos 70 do século passado, meu irmão José Carlos Azenha, integrante do movimento Liberdade e Luta, já dizia, com certo ar de superioridade intelectual, que o mundo acabaria numa imensa crise ecológica.

Eu costumava rir das previsões dele. Não mais.

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