Um vídeo gravado durante uma missa no último domingo (27) na cidade de Areial, no Agreste da Paraíba, gerou forte repercussão nacional e acusações formais de intolerância religiosa contra o padre Danilo César, responsável pela Paróquia de São José. Durante a homilia, transmitida ao vivo pelo canal da igreja no YouTube, o sacerdote utilizou a morte da cantora Preta Gil — ocorrida em 20 de julho, nos Estados Unidos, vítima de um câncer colorretal — para desdenhar de religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda.
“Gilberto Gil fez uma oração aos orixás, cadê esses orixás que não ressuscitaram Preta Gil? Já enterraram?”, questionou o padre, de forma irônica, referindo-se ao pai da artista. A declaração foi recebida com revolta por representantes de comunidades religiosas afro-brasileiras, que reagiram com uma nota pública de repúdio e o registro de um boletim de ocorrência na Polícia Civil.
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No mesmo sermão, Danilo César afirmou que “Deus sabe o que faz” e que, às vezes, “a morte é o melhor para você”. Ele também se dirigiu a fiéis católicos que, segundo ele, “procuram coisas ocultas”, dizendo que desejava que “o diabo os levasse”. “No dia seguinte, quando acordar com calor no inferno, você não sabe o que vai fazer”, disse o religioso, que também insinuou que práticas de religiões afro-brasileiras estariam associadas a doenças, sofrimento e mortes prematuras.
As falas causaram indignação e foram consideradas preconceituosas por líderes religiosos, juristas e defensores da liberdade de crença. Para Rafael Generino, presidente da Associação Cultural de Umbanda, Candomblé e Jurema Mãe Anália Maria de Souza, o sacerdote não apenas desrespeitou os orixás, como distorceu os fundamentos das religiões afro-indígenas. A entidade formalizou denúncia junto à Polícia Civil e pretende levar o caso ao Ministério Público da Paraíba (MPPB).
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“Deus é amor e respeito ao próximo, onde infelizmente esse senhor que se diz sacerdote prega o ódio e o preconceito e ainda amedronta em pleno culto em sua igreja”, diz um trecho da nota assinada pela entidade.
Reações e repercussão
O vídeo com a homilia foi removido das redes sociais da paróquia e o perfil pessoal do padre no Instagram foi desativado após a repercussão negativa. Apesar da tentativa de contenção, a gravação já havia sido amplamente compartilhada nas redes sociais, acumulando críticas de internautas e entidades civis.
Para o presidente do Fórum de Diversidade da Paraíba, Saulo Gimenez, o episódio representa um retrocesso inaceitável: “É uma lástima que um espaço sagrado, que deveria ser reservado ao amor e à solidariedade, seja usado para propagar discursos de ódio e intolerância. Isso é cruel, inadmissível”.
O delegado Danilo Orengo, da delegacia de Areial, confirmou que as investigações já foram iniciadas. Segundo ele, a apuração será conduzida por outra delegada, responsável pelo inquérito específico sobre intolerância religiosa.
Entidades ligadas aos direitos humanos e à diversidade religiosa têm acompanhado de perto o desenrolar do caso. Juristas ouvidos pela imprensa indicam que as declarações do padre podem configurar violação ao artigo 20 da Lei 7.716/1989, que trata dos crimes resultantes de preconceito de raça ou de religião.
Histórico e contexto
As falas do padre não foram isoladas. Ao longo da missa, Danilo César também narrou o caso de uma mãe que teria “consagrado” a filha a entidades que ele classificou como “desconhecidas” e “de vários nomes”. Segundo o sacerdote, a jovem teria morrido de forma trágica, o que ele atribui à interferência espiritual dessas entidades. “Olha a conta. Um filho”, disse, fazendo associação direta entre rituais de matriz africana e morte.
As exéquias mencionadas pelo padre referem-se ao ritual fúnebre católico. O tom da fala, entretanto, foi considerado ofensivo e discriminatório por representantes religiosos, além de ter alimentado a indignação de fiéis e membros da sociedade civil.
Durante os minutos em que esteve no altar, Danilo César ainda mencionou nomes de cidades próximas como Pocinhos e Puxinanã, insinuando que fiéis de Areial se deslocariam até esses locais para práticas religiosas diferentes, o que ele condenou de forma veemente e agressiva.
Diocese se manifesta e promete esclarecimentos
Diante da grande repercussão e da formalização de denúncias, a Diocese de Campina Grande, à qual pertence a Paróquia de São José, emitiu uma nota pública nesta quarta-feira (30). O comunicado foi assinado por Dom Dulcênio Fontes de Matos, bispo diocesano.
“A Diocese de Campina Grande, representada por seu Bispo Dom Dulcênio Fontes de Matos, informa que tomou conhecimento da pregação feita pelo Padre Danilo César [...] bem como da repercussão nas redes sociais e na imprensa. O sacerdote, através da assessoria jurídica, irá prestar todos os esclarecimentos necessários aos órgãos competentes.”
A nota também reforça o compromisso da Igreja com os direitos fundamentais:
“A Diocese reitera seu compromisso com os direitos constitucionais da liberdade de crença e de culto, da igualdade e não discriminação religiosa, do direito à honra e à imagem dos mortos e do princípio da dignidade da pessoa humana.”
A instituição afirmou ainda que continuará cumprindo sua missão de evangelização “conforme o ordenamento jurídico brasileiro” e rechaçou, implicitamente, qualquer discurso que possa ferir os valores do respeito e da convivência religiosa.
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